O parricídio de Eduardo

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Na Roma Antiga, Agripina foi assassinada a mando do filho, Nero, de quem chegara a ser melhor aliada. Na mitologia grega, Orestes matou a mãe, Clitemnestra, depois desta matar Agamenon, pai dele e marido dela, conta Ésquilo, em Oresteia. Portugal nasceu de uma guerra entre mãe, dona Teresa, e filho, dom Afonso Henriques, ganha pelo segundo.

Os matricídios políticos dos últimos séculos, entretanto, são mais raros. E mais metafóricos. Aquele de que se vai falar aqui, na verdade um parricídio, é até involuntário. Eduardo Bolsonaro, um político que nunca foi conhecido por ser um fino estratega, apontou a mira a Lula da Silva mas acabou por atingir o próprio pai, Jair Bolsonaro.

Não foi a primeira vez que o terceiro filho do ex-presidente, que meteu férias como deputado brasileiro para se dedicar a exercer influência nos EUA sobre os extremistas da administração de Donald Trump e do Congresso americano, alvejou o pai e constrangeu a ala política que ambos representam.

Em 2019, disse que “se a esquerda radicalizar, a gente vai precisar ter uma resposta, e uma resposta que pode ser via um novo AI-5”, referindo-se ao Ato Institucional de 1968 que fez da tortura, dos assassinatos e dos desaparecimentos de opositores da ditadura militar um instrumento oficial de ação do Estado. Além de ter sido denunciado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, escancarou a face golpista que Bolsonaro tentava disfarçar.

No ano seguinte, a propósito da pandemia, comparou a ação da China à da União Soviética na tragédia nuclear de Chernobyl. Ao atacar o maior cliente comercial do Brasil, conseguiu irritar o ministro da Economia do pai e assustar todo o setor produtivo brasileiro.

E justificou a candidatura a embaixador do Brasil nos EUA por já ter trabalhado no país “a fritar hambúrgueres”. Para desespero dos marqueteiros de direita e do governo do progenitor gerou um meme inesquecível.

Agora, o sagaz filho 03 foi mais longe: após demorados esforços “diplomáticos”, convenceu não só Trump a aumentar as tarifas do Brasil em 50% como também levou o presidente norte-americano a associar essa atitude comercial às tribulações jurídicas de Bolsonaro. Desta vez, desesperou os marqueteiros de direita, assustou o setor produtivo e uniu o parlamento contra si tudo numa só tacada.

E pior: atirou uma bóia de salvação na direção do combalido nas sondagens Lula.

“Um estudo que analisou mais de 5.9 milhões de menções nas redes à decisão de Trump mostrou que 58% delas são negativas para Trump e que o governo Lula tem uma real oportunidade de se consolidar como defensor da soberania brasileira e da estabilidade nacional”, revelou Robson Bonin, colunista da revista Veja.

“Bolsonaro estava a pedir influência de Trump para o ajudar mas sem mais tarifas, agora, se a economia brasileira piorar, Lula pode culpar Trump e Bolsonaro”, resumiu o norte-americano Ian Bremmer, CEO da consultoria Eurasia, à Globonews.

Eduardo, em suma, está para Jair como Nero para Agripina. É um BolsoNero.

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