O resultado das últimas eleições legislativas fez com que muitos vertessem lágrimas pelo requiem do centro político, pelo fim da estabilidade e da moderação no nosso debate cívico e político..Sim, o comunismo morreu. Sim, o socialismo está à beira do fim, como muitas das grandes narrativas surgidas nos três séculos anteriores. Mas o centro social-democrata e liberal, pelo menos como se consolidou no Ocidente, ainda não morreu..No fundo, com diferentes tradições e matizes, mais progressistas ou mais conservadoras, com mais ou menos intervenção do Estado, estamos a falar do amplo campo da moderação, reforçado na Europa nos últimos setenta e cinco anos..Em Portugal, depois das últimas eleições, passámos mesmo a viver num sistema multipartidário perfeito. Temos três partidos a ocupar mais de oitenta por cento do espectro político. Temos, finalmente, partidos que se dizem de esquerda, de centro e de direita..O Chega tem o seu espaço e como tal deve ser respeitado. Mas não mais do que isso, como se vê agora a propósito da viabilização do Orçamento e consequente subsistência de um dos Governos mais moderados e centristas dos últimos anos..Já quanto aos riscos acerca da famigerada ingovernabilidade, relembro o seguinte:.Primeiro, governar bem não significa estar sempre a legislar no Parlamento. Antes pelo contrário, muitas vezes legisla-se muito, mas governa-se pouco e mal..Segundo, da não aprovação do Orçamento do Estado não decorre, automaticamente, o pedido de demissão do Governo, nem a existência de um quadro de mau funcionamento das instituições que obrigue o Presidente da República a demiti-lo ou a convocar novas eleições..Por fim, mas não menos importante, no nosso sistema constitucional, a sobrevivência do Governo não depende da aprovação do seu programa em investidura, carecendo apenas, como se tem assistido nas últimas semanas, de negociação parlamentar para aprovação do Orçamento do Estado..Aliás, as democracias, hoje, são isso mesmo. Modelos políticos de elevada complexidade que exigem negociação permanente, discussão entre pontos de vista diversos e igualmente dignos de ponderação. Partindo, naturalmente do conflito, da pluralidade, mas sempre com o objetivo de alcançar o superior interesse nacional, refletido no desejável consenso que assegure a coesão e paz social..Em suma, apesar da apregoada polarização, associada a algum pendor frentista por parte do principal partido da oposição, a verdade é que continuará a valer a pena defender a moderação na política portuguesa..Assim se evitará, quer a pulsão identitária e a demagogia pseudonacionalista dalguma direita, quer a irresponsabilidade orçamental e a cultura do cancelamento, presentes no esquerdismo mais militante. Trata-se, portanto, de resistir ao “apelo da tribo”, sempre imoderadamente irresponsável.