O estado da UE é satisfatório

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A Conferência sobre o Futuro da Europa terminou oficialmente em maio de 2022, após um ano de variados debates. Produziu 49 recomendações, que, tal como o resto da iniciativa, passaram ao lado do cidadão comum. Uma delas, apenas uma, foi mencionada no discurso desta semana de Ursula von der Leyen sobre o estado da União: dar uma atenção especial à saúde mental dos europeus, porque "muitos sentem-se ansiosos e perdidos". Compreendo a importância do assunto, sobretudo nestes tempos de incertezas, de fragilidades e de envelhecimento das populações europeias. Mas quem me parece andar verdadeiramente perdido são certos políticos, a começar por muitos no Parlamento Europeu (PE). No exato dia em que a presidente da Comissão Europeia (CE) discursou, o Diário de Notícias publicou uma entrevista com a líder dos socialistas europeus no PE, Iratxe Garcia Pérez. Foram três páginas de banalidades. Nada de excecional: teríamos percorrido labirintos similares com muitos outros deputados europeus.

A intervenção de von der Leyen foi mais política e concreta, como seria de esperar. Deve ser considerada, no geral, como positiva. Seria um erro, neste momento de múltiplos desafios existenciais, procurar minar a autoridade da CE e, em particular, da sua presidente.

A crise criada pela agressão russa contra a Ucrânia foi um tema central - esta é uma guerra contra o nosso presente e futuro, contra a nossa democracia, parafraseando o que disse. Abriu a hipótese do acesso livre da Ucrânia ao mercado único europeu, mas não mencionou, nem o deveria fazer, a não ser de modo muito subtil, o facto de que cerca de 50% do apoio militar prometido às forças armadas ucranianas pelos países da UE ainda estar na gaveta. A Alemanha, o seu país de origem, é aliás dos mais reticentes e atrasados no fornecimento dessa ajuda, apesar de ter todas as condições materiais para o fazer. Essa é uma falha estratégica que Olaf Scholz e a sua coligação terão de corrigir sem mais demoras.

Poderia ter feito, isso sim, um apelo à continuidade da coesão entre os estados-membros, no que respeita às sanções contra a Rússia. Afirmou, é verdade, que as sanções são para durar. Mas é preciso insistir na importância da unidade de ação. Existe o risco, após as eleições legislativas de 25 de setembro, que o próximo governo italiano quebre essa unidade. A extrema-direita italiana, como também acontece noutras partes da Europa, está muito próxima das posições de Putin - e dos seus financiamentos. Vende facilmente a cooperação com Putin como se se tratasse de patriotismo. Mas não é só na Itália, ou na Hungria de Orbán, ou na Suécia de agora. Na parte oriental da Alemanha está a ganhar força um populismo anti-sanções. Vamos ter um inverno difícil em termos de energia, de inflação e de descontentamento. Precisamos, por isso, de respostas e apoios concretos, e de narrativas políticas sinceras.

A questão da energia foi, efetivamente, um outro grande tema da comunicação de von der Leyen. A tributação, a título excecional, dos lucros inesperados e injustificados das grandes empresas do sector renovável, do nuclear ou do carvão é uma proposta que merece ser apoiada. Essas receitas fiscais extraordinárias devem, no entanto, ser utilizadas para ajudar diretamente as famílias e manter em atividade as empresas economicamente viáveis, mas profundamente fragilizadas pelos custos extraordinários dos transportes, da eletricidade e do gás.

Também frisou que este é o momento de investir em larga escala nas energias renováveis. E de avançar com a implementação dos planos nacionais de recuperação e inovação, aprovados no quadro do NextGenerationEU há quase dois anos, mas que continuam com uma taxa de execução bastante baixa - do pacote total de 800 mil milhões de euros, apenas cerca de 100 mil milhões foram utilizados até agora. Temos uma Europa sem capacidade para aplicar, com seriedade e controlo, as somas necessárias à sua modernização e resiliência.

Não quero terminar sem referir que existem neste momento na UE 21 terminais portuários de Gás Natural Liquefeito (GNL). A Espanha tem o maior número: seis. Além disso, conta-se no espaço europeu mais 7 em construção e 24 em projeto. É um exagero incompreensível, quando a aposta futura é a de sair das energias fósseis.

Conselheiro em segurança internacional.

Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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