O dilema da Europa

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A recente entrevista do presidente Donald Trump à Fox News marca um ponto de inflexão nas dinâmicas geopolíticas em torno da Guerra da Ucrânia, e inicia, também, a fase de achar culpados pelo fracasso dos ucranianos no conflito. O presidente norte-americano atribuiu a responsabilidade pela guerra ao presidente Volodymir Zelensky, afirmando que ele optou por lutar em vez de negociar com a Rússia. Essa declaração ignora o papel significativo que os Estados Unidos e seus aliados europeus desempenharam nessa decisão.

Trump já decidiu que o EUA não mais apoiará a Ucrânia e abriu negociações diretas com a Rússia para encontrar uma forma de acabar com a guerra. As decisões de Trump levantam questões sobre os interesses dos EUA e suas implicações para a Europa.

O primeiro ponto a considerar é que, para Trump, aumentar o apoio militar à Ucrânia significaria continuar uma guerra que, segundo ele, é fruto da incompetência do ex-presidente Joe Biden, do presidente Zelensky e dos países europeus. Colocar mais recursos significaria, também, um aumento dos gastos públicos, justamente quando Trump quer diminuir a imensa dívida norte-americana. Além disso, uma derrota ucraniana poderia manchar sua imagem como líder, algo que ele claramente deseja evitar.

A competição entre EUA e China também figura como fator crucial na estratégia de Trump. Ele parece estar interessado em reduzir a aproximação entre a Rússia e a China, que os EUA consideram seu principal competidor no sistema internacional. Continuar a guerra seria colocar a Rússia ainda mais dependente dos chineses. Trump deseja colocar uma cunha na relação de Putin e Xi Jinping.

Além do mais, Trump deseja reduzir os custos dos EUA com a defesa convencional dos seus aliados, inclusive os europeus, a fim de contribuir para reduzir o déficit fiscal dos EUA, que já atinge mais de 35 trilhões de dólares. Para minimizar esse problema, Trump planeja cortes vultosos no orçamento do Pentágono enquanto exige que os países europeus incrementem, substancialmente, os gastos nesse campo. As vendas adicionais de material militar para a Europa ajudariam a equilibrar as perdas do complexo industrial-militar norte americano com os cortes no orçamento do Pentágono.

Em síntese, para Trump não interessa herdar uma guerra e gastar mais recursos e esforços em um tema que não afeta diretamente os interesses norte-americanos. Para ele, os EUA precisam estar voltados principalmente para a redução das vulnerabilidades econômicas e das questões geopolíticas relacionadas com a competição com a China.

Ao dizer que caberá aos países europeus prover sua própria defesa convencional e as garantias de segurança que Zelensky insiste em pedir contra a possibilidade de novas invasões russas, Trump gera um dilema para a Europa. Os líderes europeus enfrentam a difícil decisão de continuar apoiando a Ucrânia, com o risco de uma possível derrota no campo de batalha, ou apoiar a proposta de paz que EUA e Rússia planejam negociar.

A exigência de Trump para o aumento dos gastos de defesa dos países europeus também implica uma contradição: se ele se aproxima de Putin, renova as relações diplomáticas com a Rússia e afirma publicamente que a culpa por não ter evitado a guerra foi de Zelensky, implicitamente, ele está afirmando que a Rússia não é uma ameaça à Europa. Portanto, não haveria lógica os europeus gastarem muito mais em defesa para dissuadir a “ameaça russa”; embora para Trump a melhor opção para os EUA fosse distender com a Rússia e conseguir que os europeus continuassem considerando os russos como uma ameaça. Este é um objetivo que os EUA perseguem desde o fim da União Soviética, com o propósito de evitar uma Europa unida, mais forte politicamente e mais competitiva economicamente.

Nesse contexto, pode ser vantajoso para a Europa aceitar o resultado do processo de negociação liderado pelos EUA para finalizar a Guerra da Ucrânia, e explorar uma distensão com a Rússia ao fim do conflito. Isso poderia permitir uma redução nos gastos de defesa europeus e promover uma cooperação mais ampla entre todos os povos da Europa, contribuindo para criar um continente unido, prospero e pacífico, que pudesse se tornar um novo polo de poder no sistema internacional.

Antonio Ruy de Almeida Silva. Almirante. Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Membro do Grupo de Avaliação da Conjuntura Internacional (GACINT/USP). Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional.

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