O Dia da Mulher no Bolsonaristão

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Como é festejado o Dia Internacional da Mulher na República Evangélica do Bolsonaristão, devem perguntar-se os leitores. A resposta vem a seguir.

Arthur do Val, deputado estadual, candidato a governador de São Paulo e cheerleader dos protestos contra Dilma Rousseff em 2015 e 2016, assinou o preâmbulo, no dia 4 de março. No fim de uma "viagem de solidariedade à Ucrânia", contou aos amigos, em áudio, que "as ucranianas são fáceis por serem pobres" e que equaciona fazer mais digressões ao leste europeu "só para pegar loiras".

Com a brincadeira, Mamãe Falei (o seu nome de guerra) perdeu a namorada, teve de retirar a candidatura ao governo, deve ser expulso do parlamento, foi largado pelo ídolo, o ex-ministro e pré-candidato à presidência Sergio Moro, e, humilhação das humilhações, acabou tachado de "asqueroso" por ninguém menos do que Jair Bolsonaro.

O mesmo Bolsonaro que afirmou só não violar uma colega parlamentar por ela ser feia e que as mulheres deviam ganhar menos porque engravidam. Aquele para quem a sua filha mais nova, depois de ter sido pai de quatro homens, não passou de uma "fraquejada". O mesmo que acusou uma jornalista de "dar o furo", numa piadola de duplo sentido após publicação de notícia incómoda para o bolsonarismo, e que dançou um funk que classifica as mulheres de esquerda como "cadelas" e oferece às feministas "ração na tigela".

O asco que Bolsonaro diz ter sentido não se deve ao conteúdo das declarações de Mamãe Falei, claro, mas ao facto de o deputado, em 2019, ter deixado de apoiar o governo para ser groupie de Moro. E ao objetivo eleitoreiro de recuperar o voto feminino, hoje maioritariamente nas mãos de Lula da Silva, segundo as sondagens.

Porque o machismo de Bolsonaro continua intacto: no discurso oficial, de gravata rosa, do 8 de março, lembrou que "as mulheres estão praticamente integradas à sociedade" - uma declaração na linha do "cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós", do ano passado.

A comemoração presidencial do Dia da Mulher não ficou por aí: Bolsonaro discursou num evento sobre a participação feminina na política cujos palestrantes, além dele, foram o ministro da Economia, o ministro da Infraestrutura, o presidente da Câmara dos Deputados e o vice-governador paulista - sim, cinco homens.

Em paralelo, o Ministério da Mulher do governo Bolsonaro entregou às mulheres, no seu dia, o mais baixo orçamento para o setor em quatro anos.

Augusto Aras, o procurador-geral da República escolhido a dedo para blindar o presidente e a família de transtornos jurídicos, também deu a sua contribuição. "Este é um dia de homenagem à mulher no seu sentido mais profundo, da sua individualidade, da sua intimidade, à mulher que tem o prazer de escolher a cor da unha que vai pintar, à mulher que tem o prazer de escolher o sapato que vai calçar", afirmou Aras, com o prazer de quem vive no século XIX.

E se Mamãe Falei assinou o preâmbulo e Bolsonaro e aliados escreveram o grosso da obra, os deputados anabolizados Daniel Silveira e Rodrigo Amorim encarregaram-se do posfácio do 8 de março no Bolsonaristão: fotografaram-se com uma placa em homenagem a Marielle Franco, assassinada há quatros anos, orgulhosamente partida ao meio pelos dois.


Jornalista, correspondente em São Paulo

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