O centralismo de Bruxelas visto por um fruticultor português
Qualquer política pública, por muito necessária que seja e por muito prementes que sejam os objetivos e as metas que se propõe conseguir, tem custos sociais, económicos e financeiros, que não devem ser escondidos nem ficar ausentes dos anúncios políticos.
Limitar o discurso político aos radiosos dias do futuro esquecendo o preço a pagar pela mudança pode resultar no alheamento dos cidadãos dessas políticas, quando não em revoltas mais ou menos graves. Veja-se, por exemplo, a política de transição energética: é apelativo falar de eletrificação, de mobilidade suave, etc. Mas fomos informados sobre os custos da descarbonização e o seu contributo para a atual subida descontrolada do preço dos combustíveis fósseis?
A Estratégia do Prado ao Prato faz parte do Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), que foi desenhado pela Comissão Europeia fundamentalmente para tornar a economia da UE mais sustentável.
Refere a Comissão Europeia expressamente que "...as alterações climáticas e a degradação do ambiente representam uma ameaça existencial para a Europa e o resto do mundo. Para superar estes desafios, o Pacto Ecológico Europeu transformará a UE numa economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva...".
Surpreendentemente, de forma leviana e não fundamentada, afirma também que "...o Pacto Ecológico Europeu é também a nossa boia de salvação para sair da pandemia de COVID-19..."! (não é uma blague de mau gosto; veja-se o sítio web oficial da União Europeia).
Até 2030, a aludida estratégia visa consagrar amplas áreas de solos agrícolas ao modo de produção biológica (25%) e à biodiversidade (10%); além disso pretende reduzir em 20% o consumo de adubos inorgânicos e em 50% as vendas totais de produtos fitofarmacêuticos e também reduzir em 50% do uso dos produtos fitofarmacêuticos de maior risco, incluindo os que constam da lista das substâncias ativas candidatas a substituição (e.g. cobre).
Ora, sabemos que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, estima que os agricultores devem aumentar em 70% a produção de alimentos para suprir as necessidades de mais 2,3 mil milhões de pessoas até 2050, o que se torna muito exigente para conciliar com a sustentabilidade ambiental.
Mas, no caso da Estratégia do Prado ao Prato, para além de se ter em conta a anterior previsão da FAO, não devíamos ser informados sobre os custos a pagar para conseguir os resultados ambientais pretendidos, nomeadamente na estabilidade do abastecimento alimentar dos cidadãos, na segurança estratégica, no encerramento de empresas e abandono de atividades económicas produtivas, no desemprego?
Mas também sabemos que, por um lado, os produtos fitofarmacêuticos podem desempenhar um papel muito importante em termos de saúde pública, basta recordar que, ao longo de três décadas, o primeiro pesticida de síntese (DDT) salvou cerca de 500 milhões de vidas humanas devido à erradicação da malária, conforme foi estimado pela Academia Nacional de Ciências dos EUA (só depois foi detetado que a aplicação do mencionado pesticida tem repercussões ecológicas negativas), e, por outro lado, 2020 foi declarado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional da Sanidade Vegetal, estimando-se que até 40% das culturas alimentares em todo o mundo são perdidas devido às pragas e doenças que afetam a sanidade dos vegetais (isto acontece quando, atualmente, ainda cerca de mil milhões de pessoas vivem em pobreza extrema e deitam-se todos os dias com fome).
Ora, a prevista redução, a par também com a retirada do mercado da UE de um tão elevado número de produtos fitofarmacêuticos, que reflexos irá ter na produção de importantes culturas para as quais Portugal dispõe de condições edafo-climáticas privilegiadas?
Concretamente, como nutricionista e fruticultor (pomóideas), por um lado (i) estou consciente do contributo positivo que dispenso à sociedade ao produzir peras e maçãs cuja composição - nomeadamente em fibras, minerais, vitaminas e outros antioxidantes - lhes confere um valor nutricional excelente e com benefícios na redução das duas causas principais de morte em Portugal - doenças do aparelho circulatório e tumores malignos - e, por outro lado (ii) conheço o comportamento dos consumidores portugueses, tanto face à apresentação da fruta como ao respetivo preço.
Ora, para responder com sucesso a estes dois últimos requisitos - boa apresentação e baixo preço - para que o consumo de fruta seja o desejável e acessível a toda a população, pois tal é importante em termos de saúde pública, ou seja, para promover a saúde, prevenir a doença e prolongar a vida saudável - é quase sempre imprescindível recorrer à aplicação criteriosa de produtos fitofarmacêuticos seguros e eficazes. É, pois, com expectativa que aguardo pela seleção que os decisores políticos venham a efetuar nesta matéria, inclusive tomando em consideração as diferenças climáticas entre os países mediterrânicos e aqueles que têm um clima frio, ficando na expectativa se tal decisão não irá afetar a produção frutícola portuguesa, praticada quer em modo eficiente como em modo biológico.
Além disso, é imperioso que se pratique uma agricultura com eficiência produtiva (e, consequentemente, associada também a uma maior atividade fotossintética, portanto a um maior consumo de CO2, contribuindo assim para minorar o aquecimento global e, igualmente, utilizar a água com maior eficiência), suscetível de produzir fruta a custos competitivos, tanto mais que o consumidor dispõe de fontes alternativas, inclusive de países terceiros, cujas eventuais exportações para a UE implicam uma pegada de carbono que vai ao arrepio das atuais preocupações ambientais.
Adicionalmente, importa salientar que no setor frutícola português tende a generalizar-se a prática da agricultura de conservação, recorrendo-se, designadamente na entrelinha, ao arrelvamento espontâneo e, preferencialmente, com predomínio de leguminosas, fixadoras do azoto atmosférico o qual disponibilizam para as árvores de fruta, minorando assim a aplicação de adubos azotados. Além disso, como o solo não é mobilizado, o seu teor em matéria orgânica eleva-se, o que melhora a respetiva fertilidade e absorve gases com efeito de estufa.
Hoje sou fruticultor e contribuo para o PIB português com a minha atividade agrícola. Fui condenado a cessar a atividade quando forem atingidas as metas de redução dos adubos químicos e dos produtos fitofármacos. Os terrenos que hoje são pomares e que geram uma das principais exportações portuguesas, vão ficar abandonados, talvez "ambientalmente sustentáveis".
Mas digam aos Portugueses os custos que vamos pagar por esta política.
*Engenheiro Agrónomo, Ph. D.