O Bom, o Mau e o Vilão

O “Bom” é o Governo italiano que não obedece às ordens de Bruxelas. Os “maus” são os estados que submetem as suas relações com os contribuintes a uma retórica negativa – e o “vilão” é a Comissão Europeia que, do alto da sua torre de marfim, quer decidir com quem é que os decisores políticos se podem ou não encontrar.
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Quem não se lembra da icónica imagem de Clint Eastwood com o charuto no canto da boca no filme “O Bom, o Mau e o Vilão”, expoente máximo do western spaghetti? A escolha do título deste artigo pode ser considerada abusiva, até porque existem muitas referências que lhe são feitas. No entanto, pouco ou nada se fala do famoso charuto de Clint, aliás, um parente pobre dos charutos, com 100% de tabaco Kentucky, por muitos considerado o horror do fumo – mas que, na realidade, se tornou num produto italiano de muita qualidade.

O famoso Toscano, charuto preferido de personalidades como Giuseppe Garibaldi ou o rei Vittorio Emanuele II, é uma imagem de marca italiana, que os vários governos do País, da esquerda à direita, persistem em defender contra as constantes leis comunitárias sobre produtos derivados do tabaco. O monopólio tabagista italiano, que tem um paralelo semelhante na Suécia, permite, não só a proteção das indústrias do Toscano, mas também o seu desenvolvimento com produtos de qualidade, que fazem sair do obscurantismo o tabaco fumado pelos cowboys.

Esta posição de protecionismo do Estado italiano, que se repete igualmente noutras tantas indústrias, contrariando o argumento de que os governos não podem apoiar as indústrias nacionais, é mesmo o “Bom” desta fita. Isto permite-nos ver um italiano a andar de bicicleta com o charuto toscano na boca, na aura da manhã, sem que possamos sentir o famoso mau odor dos tabagistas, tão caro aos inimigos do tabaco.

Num outro sentido, a propósito de uma notícia recente sobre o facto de um famoso think tank de Bruxelas, o European Policy Center, ter resolvido afastar de seu membro a Associação Europeia de Tabaco, coloca-se a questão de como são tratados pela Comissão Europeia os diversos governos europeus nas suas relações com esta indústria.

Se a regra não escrita, nem vista, de um total impedimento da realização de reuniões dos vários decisores técnicos da Comissão com representantes da indústria do tabaco, é a norma geral aplicada em Bruxelas, já nos vários estados-membros vai variando consoante o entendimento dos respetivos governos. Mais, o combate contra esta indústria, vista como demoníaca, alastrou-se às organizações da sociedade civil que tentam influenciar o processo de decisão política, como aconteceu com a decisão do think thank acima referido.

Num evento em que tive a infeliz ocasião de participar ouvi o anterior comissário europeu da Saúde, o lituano Vytenis Andriukatis, membro do grupo socialista, a comparar a indústria do tabaco com o regime estalinista. Muito embora Josef Stalin tenha sido um adepto do tabaco, de origem arménia, a verdade é que os impostos que a indústria paga aos estados seriam suficientes para desmentir qualquer tipo de estalinismo tabagista.

Por outro lado, muito embora o tabaco tradicional esteja em queda acentuada por causa das purgas nacionalistas a que foi sujeito, a nova vaga de cigarros eletrónicos, dos quais não sou adepto, foram um fator de divisão durante o período da pandemia do Covid.

Esta constatação algo polémica foi assumida por um funcionário do governo francês do primeiro-ministro Edouard Philippe, quando lhe perguntei, em tempos, se iriam aumentar as tributações sobre os novos produtos. E assim foi durante dois anos: de forma mais ou menos velada, permitiu-se a expansão dos cigarros eletrónicos.

Dirá o leitor que este artigo faz a apologia do tabaco e da respetiva indústria. Embora não tenha no momento qualquer interesse na indústria do tabaco, o que pretendo dizer é que o Estado não pode excluir da decisão política as indústrias que originam uma grande coleta de taxa tributável. A decisão política não pode excluir atores que contribuem para o erário público. Aliás, por uma questão de transparência e democracia, esses atores deveriam ser os primeiros a participar na discussão pública.

Os “maus” serão aqueles governos que submetem as suas relações com os contribuintes a uma retórica negativa, sem direito ao contraditório – e o “vilão” é a Comissão Europeia que, do alto da sua torre de marfim, quer decidir com quem é que os decisores políticos se podem ou não encontrar, obrigando os estados-membros a rever as suas decisões e os seus impostos de acordo com Bruxelas.

Neste panorama algo cinzento, aguardo impacientemente pelos meus dias em solo italiano, a aproveitar um belo dolce far niente, com um belo Toscano Presidente aceso.

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