Não há democracia nem almoços grátis
Há dois dias, a Gazprom, empresa russa, reduziu o fornecimento diário de gás a 20% da capacidade do gasoduto Nordstream 1, o que fez disparar o preço do produto no mercado europeu de referência. O gás vale agora dez vezes mais do que há um ano. A razão invocada pelos russos para evitar penalidades por quebra de contracto é um álibi de ordem técnica - a necessidade de proceder à manutenção de uma turbina. Na verdade, tratou-se de uma decisão política previsível, de retaliação, aviso, um trunfo a jogar em futuras negociações. E voltou a pôr em cima da mesa o acerto das sanções adotadas pelos europeus contra a Rússia.
Não é apenas o autocrático Viktor Orbán que alega que as sanções têm um efeito boomerang e que acabam por prejudicar mais as economias da UE que a russa. Temos por aí gente boa que também vê a coisa assim. E alguns até se julgam mais espertos que os dirigentes europeus, que, entretanto, já aprovaram sete rondas de sanções contra o regime de Vladimir Putin. Não passa pela cabeça desses críticos que os governos europeus só aprovam cada pacote depois de terem pesado todos os prós e contras. Quando existe uma profunda interdependência entre as economias, decisões deste tipo são necessariamente avaliadas com todo o cuidado.
A gravidade da agressão russa contra a Ucrânia exigiu, desde o início, uma resposta firme da nossa parte. Para além do apoio logístico e financeiro ao país agredido, as outras dimensões da nossa resposta só podiam passar por medidas restritivas contra o agressor. O recurso a meios militares, que implicassem um empenho ativo de forças europeias no teatro de guerra, estava à partida excluído. Mesmo a ideia de uma aliança bilateral de defesa entre a Ucrânia e um país ocidental suficientemente poderoso - qual deles? - não foi considerada judiciosa. Cada vez que se refletia sobre essa hipótese chegava-se rapidamente a duas conclusões, que a tornavam inviável: não existiam condições políticas, nos estados europeus mais bem equipados militarmente, para fazer aprovar uma aliança desse género; e rapidamente a aliança bilateral ganharia uma dimensão mais ampla, levando ao envolvimento da NATO e à deflagração de um conflito de proporções devastadoras.
Restavam as sanções. Estas servem três objetivos. Mostrar o nosso grau de condenação política do agressor. Reduzir a sua capacidade bélica. E enviar uma mensagem muito clara a regimes com intenções semelhantes.
Sem esquecer as restrições políticas e as limitações impostas a personalidades do poder ou muito próximas, relatórios e informações agora disponíveis mostram que as sanções afetam negativamente a economia russa, incluindo as indústrias de guerra. O Fundo Monetário Internacional prevê uma contração da economia russa da ordem dos 6% no final do ano. É menos do que inicialmente estimado, mas é bem pior do que se espera que aconteça na UE: o FMI calcula que o crescimento do PIB da zona euro ronde os 2,6%.
A Rússia tem acumulado nestes últimos meses vastas quantidades de divisas estrangeiras, graças à subida dos preços do petróleo e do gás que exporta. Mas as sanções não lhes permitem utilizar essas divisas para importar bens de alta tecnologia, incluindo semicondutores, máquinas e outros componentes essenciais para a produção de material militar e civil de última geração. Mesmo as empresas chinesas têm reticências e evitam grandes negócios com a Rússia, exceto no domínio das matérias-primas. A Rússia tem os cofres a abarrotar, mas por exemplo produz Ladas - agora que a Renault deixou de estar presente no país - sem equipamentos modernos, airbags, cintos de segurança ou sistemas de navegação. Esse é apenas um exemplo entre muitos, que ajuda a entender o impacto das sanções impostas pela UE e o G7.
Do nosso lado, a inflação, que provoca uma séria diminuição do poder de compra das populações, é a principal consequência. Por isso, há que tratar essa questão como uma prioridade absoluta. E explicar sem tibiezas que a luta contra um vizinho que é uma verdadeira ameaça às nossas liberdades fundamentais e à nossa segurança tem custos, que os principais responsáveis políticos europeus decidiram, e bem, que devemos suportar. Em simultâneo, devem procurar as alternativas que façam reduzir esse impacto negativo.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU