A linha de fuga é de antologia -- a culpa é dos megaprocessos. O problema são os megaprocessos, dizem eles. Não sei que espécie de cega soberba leva algumas pessoas a recorrer a explicações idiotas, apresentando-as como se se tratasse de cristais puros de rara reflexão. Bom, não são. O discurso sobre os megaprocessos nasce com o processo marquês, desenvolve-se com o processo marquês e é agora usado como desculpa para justificar o fracasso do processo marquês..A explicação dos megaprocessos não pretende esclarecer nada, mas esconder tudo. Esconder a violência cometida contra um inocente. Esconder a detenção televisionada no aeroporto e a invocação de perigo de fuga quando vinha a entrar, não a sair do país. Esconder a prisão para investigar. Esconder a violação sistemática do segredo de justiça e os prazos de inquérito sucessivamente adiados como se estes não constituíssem direitos subjetivos, direitos individuais que não estão à disposição do Estado. Bem vistas as coisas, a desculpa dos megaprocessos pretende normalizar -- normalizar a campanha de difamação, normalizar as acusações absurdas, normalizar a viciação do processo de escolha do juiz. E normalizar o silêncio que se seguiu..Na verdade, os megaprocessos são a solução ideal para atingir e desonrar os alvos previamente selecionados. Eles são um método. Eles constituem uma técnica de difamar e maldizer. Eles representam um desenvolvimento técnico do fenómeno de lawfare. E no entanto, é preciso insistir que o falhanço do processo não é consequência de megaprocesso nenhum, mas da inocência dos visados. O falhanço não se deve ao tamanho do processo, mas à mentira dentro dele. À mentira sobre o TGV, à mentira sobre a Parque Escolar, à mentira sobre Vale do Lobo, à mentira sobre a PT, à mentira sobre a diplomacia económica com a Venezuela, à mentira sobre a proximidade a Ricardo Salgado, à mentira da fortuna escondida. O falhanço do processo é simplesmente o fracasso da mentira..Incapazes de fazer o mínimo de reflexão crítica sobre o que aconteceu, o argumento dos megaprocessos é o melhor que arranjam em sua defesa. A falta de meios já não serve porque os tiveram demais. A falta de tempo também não parece explicação razoável, nove anos depois. Restam os megaprocessos. O problema, dizem os subscritores do manifesto, é que se escreve demais e, assim sendo, o poder de síntese pode ser a bala de prata para os problemas da justiça. Como tudo isto é ridículo. Como tudo isto é pobre e ridículo. Não, não são os megaprocessos. São os prazos de inquérito que não se cumprem; são as escutas telefónicas sem fundamento; são as manipulações da distribuição dos processos; são as vigarices na escolha dos juízes; são as buscas por motivos frívolos; são as televisões que acompanham as buscas; são as violações de segredo de justiça - e são os usos abusivos do "perigo de fuga" como método de banalização da prisão preventiva. Não, não são os megaprocessos. O problema do processo marquês é a motivação política original. O problema da justiça em Portugal é uma evidente e perigosa deriva penal autoritária..Antigo primeiro-ministro e principal arguido no Processo Marquês