Liberdade de expressão em tempo de eleições
"Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizer." (Evelyn Beatrice Hall em The Friends of Voltaire, 1906). A frase que de modo absolutamente notável protagonizou há mais de um século a defesa da tolerância, é com propriedade repristinada em 2025, ano em que terão lugar duas consultas eleitorais determinantes: as eleições legislativas do próximo dia 18 de maio e as eleições autárquicas no início do outono. Entre estes dois escrutínios mede-se a interiorização que políticos, média e cidadãos em geral fizeram desde abril de 74 do direito consagrado no artigo 37.º da Constituição — liberdade de expressão e informação. Do ponto de vista jurídico, o edifício é claro. O artigo 113.º da Lei Fundamental exige igualdade de oportunidades de propaganda política; o artigo 18.º impõe que qualquer restrição se mostre necessária, adequada e proporcional. O art.º 157.º/1 garante imunidade material dos deputados, o que lhes permite amplitude das opiniões emitidas no Parlamento e em campanha e a sua reprodução pública, seguindo a lógica de “speech in parliament receives the highest level of protection” evidenciada na jurisprudência do Tbribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDR) no caso Karácsony e Outros v. Hungria (GC, 2016), que condenou a aplicação de multas a deputados por protestos simbólicos no hemiciclo. E embora os crimes de difamação e injúria do arts.º 180.º e seguintes do Código Penal se apliquem a políticos, os Tribunais devem ponderar a jurisprudência europeia que lhes confere uma grande margem de liberdade de expressão e de tolerância acrescida. O próprio Tribunal Constitucional tem sublinhado o dever de igualdade de oportunidades e que qualquer restrição a comícios, cartazes ou comunicação digital deve vencer o teste da necessidade-adequação-proporcionalidade, sob pena de inconstitucionalidade por violação do art.º 37.º CRP (Ac. n.º 696/2021, de 24-11-2021).
Um desafio das eleições em 2025 joga-se no terreno volátil das plataformas digitais. A plena aplicabilidade do Regulamento dos Serviços Digitais obriga redes sociais de grande dimensão a remover conteúdos ilícitos de forma célere e transparente. Pretende-se o combate à desinformação, mas a “iniciativa” comporta o risco de censura preventiva, sobretudo durante campanhas eleitorais intensas. Cabe à Comissão Nacional de Eleições, em articulação com a ERC, assegurar que a remoção de publicações se baseia em critérios objetivos, passível de controlo jurisdicional e acompanhada de mecanismos de contraditório, tendo em conta a já citada jurisprudência do Tribunal Constitucional. A própria lei eleitoral criminaliza a destruição de propaganda alheia (art.º 348.º-A do Código Penal), mas a proteção eficaz do pluralismo exige ferramentas mais céleres: direito de resposta imediato, fact-checking colaborativo e programas de literacia mediática que vacinem o eleitor contra boatos. Impõe-se, ainda, defender quem fiscaliza o processo, ou seja, os jornalistas, cuja independência é fundamental à democraticidade dos processos eleitorais. A escassos dias das legislativas de 18 de maio e a poucos meses das autárquicas, Portugal confronta-se com uma escolha essencial: regular sem asfixiar, sancionar a fraude sem amputar o contraditório, proteger a honra sem silenciar a crítica. A democracia mede-se, em grande parte, pela forma como trata as palavras incómodas. Defender o direito de quem discorda — mesmo quando o discurso fere convicções pessoais — é proteger a arquitetura que sustenta vencedores e vencidos no dia seguinte às urnas.
Advogado. Sócio fundador da ATMJ – Sociedade de Advogados