"Quando fui diretor de jornais, cometi vários erros. O principal foi não ter gasto madrugadas a ver jornais a ser impressos, o não ter ajudado a distribuir o nosso trabalho nas carrinhas, o de não ter feito amizade com quem distribuía os jornais. Porque eles e elas sabiam melhor do que eu o que se passava na rua”, confessou, no seu jeito gentil e nostálgico, o jornalista e escritor Luís Osório, perante uma plateia com centenas de proprietários de pontos de venda de jornais de todo o país. Pela primeira vez nos seus 50 anos de história, a VASP, líder de distribuição de imprensa em Portugal, juntou os seus parceiros, a maior parte com pequenos negócios familiares, que acordam de madrugada para que todos possam ler as notícias pela fresca.O problema é que, como acentuou o presidente do Conselho de Administração da VASP e do Grupo Bel (dono do Diário de Notícias), Marco Galinha, “vivemos num país em que as palavras são fáceis e os atos são muito difíceis de cumprir”. Revelou que “a VASP anda há um ano a tentar ter um projeto de ajuda aos editores, para chegarem ao interior do país”, mas que se repetem “reuniões atrás de reuniões e cada vez parece mais longe”. E a VASP, concluiu, “não é o Estado português. Fazemos o nosso dever, mas não nos podemos substituir aos deveres do Estado Português”.Referia-se ao dever de assegurar o direito constitucional de acesso à informação, reforçado no Plano para os Media, que o Governo apresentou em outubro passado: “Existem zonas do território - sobretudo onde se regista uma menor densidade - nas quais o negócio da distribuição das publicações periódicas não oferece rentabilidade mínima que permita manter a operação das empresas que atuam ou pretendem atuar no mercado”, colocando “em risco o acesso à informação dos cidadãos”. Por isso, está escrito no referido Plano, “o Governo vê como sua responsabilidade garantir o acesso a esse bem aos cidadãos que residem nas zonas do território onde tenha cessado, ou esteja em risco de cessar, a distribuição de publicações periódicas”, comprometendo-se a lançar um concurso publico, no 1.º trimestre deste ano (até março, portanto), para atingir esse objetivo, promovendo a “coesão territorial”.Ora, como se percebeu pelas palavras de Marco Galinha, estamos a 23 de setembro e nada sucedeu. Por isso, um calafrio passou pelo pescoço de muitos dos que ali estavam, principalmente, pelo dos responsáveis pelos pontos de venda, quando alertou que, perante este cenário “e no limite a Vasp pode ter de cortar mil ou dois mil pontos de venda, que é a ultima coisa que poderia acontecer (…) a VASP perde 500 mil euros em cada milhão que faz de vendas no interior. Isto é completamente irracional. Se a VASP fizesse uma decisão crua, parava hoje a distribuição no interior. Não o faz porque gosta dos pontos de venda, respeita as pessoas”, disse. O que se passa é quantificável e reflete bem o que está em causa. De acordo com dados da empresa, há quatro concelhos sem pontos de venda de imprensa; cerca de duas dezenas só com um; 61% das freguesias, onde residem 19% do portuguesas não têm pontos de venda de jornais. Com exceção para a Grande Lisboa e Grande Porto, Setúbal, Coimbra e Braga, o resto do país tem rentabilidade negativa.Quando cruzamos esta realidade com os apoios do Estado, diretos e indiretos, aos media privados, a sombra é ainda maior. Estamos em 18.º de 21 países avaliados pela UE: 40 cêntimos per capita, anualmente. Trata-se, essencialmente, do porte pago dos jornais regionais e dos subsídios do Estado ao transporte aéreo para os Açores e para a Madeira - os custos da insularidade. Aqui falamos de custos de interioridade.Ora isto não é apenas um problema económico ou empresarial: é uma questão de democracia. Sem acesso à imprensa, abrem-se espaços para a desinformação, para os discursos fáceis que alimentam populismos e extremismos. A leitura é um dos instrumentos mais eficazes de resistência democrática. Não apenas a leitura de livros, mas também de jornais e revistas, que permitem acompanhar a atualidade com pluralismo e profundidade.Sem leitura, aumenta a dependência das redes sociais como fonte primária de informação. Ora, sabemos bem como essas plataformas são terreno fértil para teorias da conspiração e manipulações. A ausência de informação profissional e verificada deixa o espaço público vulnerável. Ler continua a ser um ato político, no sentido mais nobre do termo. Ler amplia horizontes, combate preconceitos e fortalece a cidadania. Mas para que isso seja possível é necessário que o Governo assuma a sua responsabilidade: garantir que a imprensa chega a todo o território, apoiar uma rede de distribuição que não pode ser deixada ao abandono, e reforçar políticas públicas que promovam a leitura desde cedo e ao longo da vida. Espero conseguir fazer um pouco mais que Luís Osório. Obrigada pelo alerta camarada.