Leitura, escrita e a formação inicial de professores
Nas próximas candidaturas ao Ensino Superior, para o ano académico de 2023/2024, existirão 100 novas vagas nos cursos de licenciatura em Educação Básica. São estes cursos que permitem o acesso posterior aos mestrados, que habilitam para a docência naEducação Pré-escolar e no 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. É um aumento de 12% face às vagas do último ano. Porém, claramente insuficiente, quando se prevê uma acelerada saída de docentes do sistema até 2030: 61% no caso da Educação Pré-escolar, 39% no caso do 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. Mas o tema da formação de professores não é simplesmente quantitativo. Temos problemas na formação inicial, sobre os quais é necessário pensar e agir rapidamente.
Tomemos como exemplo o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita. Um estudo recente da EDULOG dedicou-se a analisar o modo como estão a ser preparados os futuros professores nesta área. As conclusões são preocupantes. Há cursos durante os quais não é abordada a totalidade dos domínios do estudo da língua portuguesa. Por um lado, algumas componentes que a literatura científica especializada identifica como essenciais para um ensino eficaz da leitura e da escrita estão omissos na maioria dos planos de estudos. Por outro, dentro das mesmas Instituições de Ensino Superior, as omissões que se verificam nos cursos de licenciatura mantêm-se nos cursos de mestrado. São reduzidas, nas unidades curriculares das licenciaturas, as referências à prática pedagógica específica da leitura e da escrita, no que diz respeito à sua planificação, ensino e avaliação. Ao nível dos mestrados, que habilitam para a docência, os candidatos a professor podem terminar a sua formação sem nunca terem tido uma experiência concreta de ensino e avaliação da leitura e da escrita nas suas diferentes etapas de aprendizagem. Ao mesmo tempo, a maior parte dos cursos não incluem o estudo de dificuldades específicas de aprendizagem da leitura e da escrita, dá-se pouca ou nenhuma atenção à psicolinguística e trabalha-se pouco a investigação científica na área. Por fim, não obstante a maior parte dos professores que lecionam nestes cursos ter doutoramento na área do Português, apenas metade tem formação no ramo educacional e apenas um terço tem experiência anterior no ensino básico.
Este cenário tem consequências na qualidade dos profissionais que são formados. E não é exclusivo do ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. Estudos semelhantes encontrariam problemas noutras áreas, como a Matemática e as Ciências. Trata-se de docentes que vão trabalhar no início da escolaridade obrigatória dos anos mais decisivos para o futuro académico dos alunos. É razão para ficarmos preocupados, porque a qualidade da formação inicial dos professores é determinante para que a escola cumpra o seu papel e seja, em particular, um elevador social para os que mais precisam. Uma escola de qualidade requer professores cientificamente bem preparados nas suas áreas de especialidade e pedagogicamente bem treinados.
A valorização da carreira docente também passa pelo modo como é organizada a formação inicial. O acesso deve ser exigente, admitindo-se apenas os candidatos melhor preparados. Mas é também necessário garantir que a formação inicial entrega profissionais bem preparados, que conhecem a mais avançada investigação científica no campo, que investigam a sua própria prática pedagógica e a melhoram, quer autónoma quer colaborativamente, num ciclo permanente de desenvolvimento profissional quotidiano, assente na reflexão e investigação sobre a própria prática.
Professor do Ensino Superior