“Há, mas são verdes”!
O Hamas não apareceu, mas conta. E conta tanto, que não apareceu! Importante perceber que estas “meias-tintas árabes” também são nossas, resumindo-se em “o Português não se inscreve”, do José Gil.
E o Hamas não se inscreveu, porque não se quer comprometer, porque não quer cair no ditado do “ter dado o dito por não dito”, porque o quadro mental dos seus líderes (o Hamas é um partido religioso islamista) estabelece a obrigatoriedade do cumprimento da moral e ética religiosa nas acções do dia-a-dia.
Logo, o homem que se levanta antes do chamamento para a alvorada e fala cinco vezes ao dia com Deus, tem imbuído em si a omnipresença e omnisciência do Altíssimo. Logo, não pode mentir. Logo, não se pode comprometer. Logo, não pode assinar, precisamente para poder dizer, no seu timing, que não “prometeu” (verbo muito usado nas disputas árabes) nada a ninguém e que os outros é que “prometeram o que sabiam que não podiam prometer”. Continuando no quadro mental do islamista, daqui sai-se limpo, “fui na senda recta traçada pelo Profeta”, pensam!
Outro código que se torna em espuma ao abrir noticiários, tem sido o “vai, não vai mas envia delegado, não vai mas ‘instruiu o Qatar’ sobre o que fazer”. A regra local é simples: ganha quem ficar com a última palavra e isso consegue-se mantendo a dúvida.
No saudoso Verão de 2000, o PR Clinton reuniu em Camp David o PM israelita Ehud Barak e o PR Palestiniano Yasser Arafat. Para a História ficou um episódio curioso de uma disputa entre Barak e Arafat para ver quem entrava por último. Resumidamente, os três chegam à entrada da vivenda, param, Clinton no meio vê os braços dos convidados na lateral, a afunilarem-lhe o caminho para a porta. Entrou, enquanto o israelita e o palestiniano se empurravam em salamaleques a querer que o outro entrasse primeiro. Variedades para as televisões americanas, quando o código cultural dos lutadores diz: O último a entrar é o mais poderoso! Foi Barak, só o conseguindo ao empurrar Arafat pelas costas, como quem empurra para expulsar!
Quanto ao que está acontecer, considero normal, como considero normal ser momento de apostar tudo e “convocar Abraão”, a razão para o 7 de Outubro. Ou seja, o timing do Hamas para a guerra teve que ver com crescentes rumores sobre uma galopante aproximação entre Israel e Arábia Saudita, no sentido dos últimos aderirem aos Acordos de Abraão, reconhecendo assim Israel. Ou seja, é importante que na equação Irão, a Arábia Saudita tenha uma posição preponderante no sentido das soluções, tendo na opção Abraão um romper com o passado, cujo simbolismo poderá forçar a que faça também sentido o Irão regressar “à mesa nuclear” e deixar de ser pária, enquanto a China compra o petróleo todo na região!
Este, o cenário óptimo. Na realidade, haverá alguma mudança para continuar tudo na mesma. Palavra de Arabista!
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Escreve de acordo com a antiga ortografia