Educação em situação de emergência
A mais recente crise de refugiados na Europa tem como principal traço serem sobretudo mulheres e crianças os deslocados do seu país. Em muitas regiões da Ucrânia, ainda se tenta alguma normalidade com as crianças a frequentar ensino a distância, mas muitos foram obrigados a deixar o país em busca de abrigo. As primeiras centenas de refugiados ucranianos estão a chegar a Portugal, muitos em idade escolar. Desde logo, o nosso sistema garante o acesso à educação a todos os estudantes estrangeiros menores, legalizados ou não, com idades entre os 6 e os 18 anos. Mais uma vez enfrentamos a necessidade de acolhimento. A par desta integração no sistema de ensino regular, está ainda prevista a aprendizagem da língua portuguesa, essencial para o acompanhamento curricular ainda que adaptado. Também ao nível do ensino superior, as instituições têm manifestado disponibilidade para acolher os jovens, num processo com muitos antecedentes, desde logo a Plataforma dos Estudantes Sírios criada por Jorge Sampaio e que há poucos meses foi necessário estender aos estudantes afegãos.
Nos últimos 20 anos, o reconhecimento do direito de refugiados e migrantes à educação tem vindo a tornar-se cada vez mais presente em debates e ações internacionais, constituindo um domínio abrangente de Educação em Emergência (EeE). Trata-se de integrar a educação na ação humanitária, sendo um dos seus pilares fundamentais, tão importante como a proteção, o abrigo ou os cuidados de saúde.
Durante a pandemia, a OEI publicou um Relatório sobre as Competências para o século XXI na Ibero-América (região que conhece bem o flagelo de catástrofes quer naturais, quer sociais) em que se aborda o tema da Educação em Emergência. A publicação começou a ser preparada em 2018 e foi publicada em final de 2020, tendo atravessado um tempo particularmente difícil para o setor educativo, com cerca de 258 milhões de crianças e jovens fora da escola. Nesse sentido, se incluiu uma reflexão sobre Educação em Emergência, considerando que muitas das suas respostas educativas e competências necessárias se poderiam adequar ao período vivido. O seu autor, Júlio Gonçalves Pedrosa dos Santos, participou em muitos processos de ação humanitária em países da CPLP e tem vindo a desenvolver uma importante investigação-ação que passa pela formação de professores como resposta eficaz a situações adversas. Pode-se dizer que a pandemia exigiu uma abordagem educativa de emergência tendo em conta que muitas escolas encerraram durante longos períodos e se criaram grandes assimetrias, incluindo nacionais, no acesso à aprendizagem. Os princípios fundamentais de uma resposta educativa em situação de crise, além da proteção, implicam ainda maior atenção à equidade e à inclusão.
Nos últimos dias, a palavra mais repetida pelos refugiados que abandonaram o seu país debaixo de bombardeamentos é medo. E embora se tente iludir os mais pequenos (como no filme de Roberto Begnini, A Vida é Bela), há uma enorme estranheza que não se pode ignorar. A Educação em situação de crise é distinta e especial, não apenas para os que chegam, mas também para a comunidade que os recebe. Para os refugiados, apesar de línguas diferentes, de sistemas educativos diferentes, a escola de acolhimento é o mais parecido com a normalidade. Para os outros alunos, é uma aprendizagem acelerada e sensível sobre conflito, direitos humanos, resiliência e inclusão, além de desenvolver atitudes e valores que podem melhorar a nossa vida comum.
Num artigo publicado em 2016, o ministro Augusto Santos Silva apresentava a educação em situação de emergência como um imperativo internacional e uma causa portuguesa. E, de facto, instituições e sociedade civil em Portugal têm respondido a situações de catástrofe e de conflito que se multiplicam. A guerra na Europa é mais um episódio desastroso que nos dói porque eles podemos ser nós.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos