E se não houvesse Natal?

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Passei o Natal fechado num quarto. Eu e mais três filhos... a covid bateu-nos à porta com força. Até agora só a minha mulher, outros dois filhos e o meu genro se livraram da doença, mas não do confinamento.

Foi como podem imaginar um Natal diferente: a mesa da consoada não foi apenas uma, mas houve várias espalhadas pela casa consoante a situação de cada um, a troca de prendas foi reduzida aos mínimos (faltou comprar muita coisa e, portanto, resumiu-se a pseudovouchers escritos em papéis) e a tão apreciada Missa do Galo não existiu para nós. Os vários encontros familiares e com amigos alusivos a esta época foram simplesmente anulados ou aconteceram sem nós.

Simpaticamente alguns vizinhos, conhecedores da situação, vieram deixar-nos cartões de boas festas debaixo da porta e um embrulho com tradicionais fritos de Natal.

Todo este relambório fez-me lembrar da célebre frase "Natal é sempre que um homem quiser" e acabei a pensar porque não festejar quando estivermos todos bons? Daqui a um, dois ou seis meses, quem sabe? Imaginei uma ceia de Natal na praia, uma troca de presentes sem lareira, mas com ar condicionado e os doces de Natal transformados em gelados com sabor a arroz-doce e mousse de chocolate. Não gostei...

Depois lembrei-me também de uma situação que vivi em criança em que adoeci na altura dos meus anos. Não tive direito obviamente a nenhuma festa, mas os meus pais prometeram-me que assim que ficasse bom a festa aconteceria. Assim foi, mas soube-me a algo muito estranho porque aquele dia não me dizia nada...

Para mim este confinamento fez-me recentrar o Natal. Que bom é ter uma consoada em família, ter uma troca de prendas, ter um espírito de festa, de solidariedade, de entreajuda e de amizade. No entanto, porque não pude ter grande parte destas coisas acabei por perceber que não é isto que faz o Natal, mas sim o Natal que faz tudo isto. Por isso o Natal não é quando um homem quiser, mas é nesta precisa noite de 24 para 25 de dezembro. A passagem de ano também não é a 2 de fevereiro ou a 5 de março porque me apetece. Seria com certeza tomado por louco quem por impossibilidade de qualquer ordem festejasse a passagem de ano noutra data.

O Natal tem de acontecer dentro de cada um de nós, no íntimo do nosso ser. É algo que nos afeta, que mexe connosco e que nos provoca a ser melhores e a darmo-nos cada vez mais uns aos outros, saindo dos nossos pequenos ou grandes egoísmos. Por isso a festa, a alegria, as prendas, o juntarmo-nos com quem mais amamos e o preocuparmo-nos com os outros que menos têm.

Talvez por ter estado confinado percebi e senti tudo isto de forma mais intensa e liberto das "pressões" sociais. E talvez por tudo isto senti que aquela criança que historicamente nasceu há mais de dois mil anos continua hoje de forma discreta, subtil e muito eficaz a mexer no meu coração e no de toda a humanidade. Temos consciência de como o mundo seria bem pior se todos os anos não houvesse Natal?

Professor da AESE Business School e diretor do programa para empresas familiares. Autor do livro Manual de Como Construir o Futuro nas Empresas Familiares

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