Bem sei que é Natal e é o dia de se falar no Menino Jesus, família, esperança, felicidade, bondade, paz e desejos prósperos. Só que todo o circo à volta da rusga na Rua do Benformoso não me permite deixar passar as graves declarações espalhadas por aí. .A polícia decidiu fazer uma rusga naquela rua, após várias queixas de pessoas que ali vivem, 52 ataques com armas brancas, apedrejamento de carros-patrulha e, culminando uma longa lista de crimes, o recente assassinato de uma senhora para a roubarem. Não foi por todo o Martim Moniz, foi só naquele local. Cirurgicamente. E, como em qualquer rusga, revistou-se as pessoas que ali estavam. Branco, preto, azul, aos quadrados, com lâmpadas de Natal a sair dos cabelos. Todos. E, para quem não sabe como se revistam pessoas – pois com certeza não se viu até hoje um filme, uma série policial – manda-se colocar a pessoa contra a parede ou contra um carro, pernas abertas e mãos para cima, imobilizada. Não é um segurança no aeroporto – que não são simpáticos e muitas vezes nos tratam como se andássemos com uma G3 algures no meio da roupa interior. Procedimento normal de qualquer operação desta natureza em qualquer país do mundo democrático. Esta não foi a primeira e, esperemos, não seja a última rusga. .Mas eis que se levantaram os arautos de Esquerda indignadíssimos e a partilharem, escandalizados, fotografias desta acção policial ao lado das do Gueto de Varsóvia, em que os nazis humilharam da forma mais vil judeus, culminando com o seu envio para a morte em Treblinka. Isto é comparar o incomparável; é reduzir um acto de extermínio a uma rusga policial, é traçar paralelo entre uma acção de controlo da segurança e ordem local com um processo de aniquilamento de um povo. O exagero aqui não pode ter lugar. .Há algo que políticos e comentadores têm de perceber de uma vez por todas: os seus descomedimentos e a sua desonestidade intelectual é um insulto à memória dos que sofreram no Holocausto. Quem se quer impor como opinion maker ou como político, exercer a sua opinião sobre um acontecimento, tem obrigação para com aqueles que o ouvem ou o lêem de ser honesto e preciso nas informações que dá. E quando fizer comparações históricas, saber do que fala. Porque não podemos comparar uma acção policial normal – quantas foram feitas quando a Esquerda estava no poder e ninguém se queixou nem levantou a hipótese de exagero? Pois... – com o extermínio intencional dos judeus. Foram obrigados a cantar, dançar, rogar pela sua vida, despir-se e, nus, urinar na frente de todos na rua do Benformoso? Não. Foram obrigados a ir para campos de concentração, gaseados ou mortos a tiro, a sua pele a servir de abajur ou da sua gordura corporal foi feito sabão? Também não. Em Varsóvia cerca de 300 mil foram mortos, para além dos 92 mil que sucumbiram à fome ou doenças, dadas as más condições impostas no gueto. Não, não vamos comparar o incomparável. Aproveitem que é Natal, comprem de presente um livro e estudem esse episódio hediondo antes de o classificar como semelhante a uma acção policial. E, de preferência, com um cravo a fazer de marcador. Talvez aí tenham noção.