Por mais que seja um maravilhoso país, o Brasil é também um aperto no coração. A série da Netflix Irmandade é reflexo disso na reconstituição da arbitrariedade policial, da luta social entre pobres e o poder, na insegurança quotidiana de quem vive nos gigantescos subúrbios. Tendo por base a história verídica do grupo que controlou as prisões e se revoltou contra a violência dentro delas na década de 90, Irmandade tem a interpretação sempre gigante de Seu Jorge e mantém-se atual face ao momento em que o país se vê obrigado a escolher entre Lula e Bolsonaro. Exatamente estes dois porque é um país onde a classe média progressivamente se dissolve e os seus candidatos não têm qualquer expressão..É este Brasil da Irmandade que está no centro dos problemas da política e da sociedade brasileira. Nenhum deles pode deixar de estar ligado (por ação ou omissão) a um país onde o "fora do sistema" é o sistema. Qualquer um deles, nas suas equipas, terá a corrupção presente, contaminando-os. A violência é a outra face da moeda: convertendo à corrupção por medo, ou gerando mortes sistemáticas de quem não alinha no sistema..A vitória de Lula parece ser a única capaz de reverter a crescente desigualdade no país. Mas não é certo que os brasileiros prefiram política social de esquerda versus um Bolsonaro onde a repressão, com aparência de segurança, não resolve nada mas parece sossegar. As vitórias do Presidente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, provam o desespero em conseguir-se viver no meio da desordem. As estatísticas, por outro lado, mostram que, com Lula o Brasil chegou pela primeira vez ao 38.º lugar no ranking da competitividade mundial em 2010, tendo descido entretanto para 59.º. O Produto Interno Bruto atingiu os 2,6 biliões de dólares em 2011, contra os atuais 1,6 biliões. É um gigantesco desmoronamento..Bolsonaro acentua no Brasil um feudalismo (sem terra) onde as classes são estanques. Isso é altamente apelativo para muito eleitorado, que quer compreender o seu papel no mundo - mesmo que ele seja o de estar limitado a um jugo inamovível. A teoria mil vezes repetida dos "evangélicos" no apoio a Bolsonaro ignora, além disso, o problema base: o medo. Essa é a verdadeira razão para quase metade dos brasileiros votarem num candidato que quer fazer recuar o Brasil ao tempo da ditadura militar..Infelizmente, todos estamos com o pescoço metido nesta eleição à medida que a Amazónia desaparece. Os estudos mais recentes mostram que ao atingir 25% de desflorestação, o sistema natural da região reverte o seu processo atual, húmido e denso, para um cariz de savana seca e degradada. Calcula-se que 15% da Amazónia esteja já perdida - por exemplo, 22 de Agosto de 2022 foi o dia com mais fogos desde sempre, muitos deles criminosos para desmatação. Ora, com Bolsonaro, a humanidade dá mais um passo em direção ao apocalipse. E por mais que Bolsonaro (ou o Congresso, por si liderado) faça por ignorar as consequências, o Brasil também não escapará a uma brutal degradação ambiental se a Amazónia colapsar. Pelo contrário, será um dos que mais sofrerá a mudança radical da vida tal qual hoje a conhece..Os brasileiros precisam de esperança, mas também de apoio global para manterem a Amazónia. Serem liderados por um Presidente que reconheça a necessidade da sua preservação é o mínimo que a comunidade internacional precisa para voltar a apoiar o país. Seria dramático vermos outra vez W.Bush/Al Gore ou Trump/Clinton: eleições com vitórias dos que aceleram o processo de destruição coletiva em que estamos metidos.. Jornalista