Centralidade do cidadão: acesso, integração de cuidados e participação

Publicado a
Atualizado a

Falar da centralidade do cidadão no SNS é falar das políticas que promovem a inclusão, a solidariedade, a participação, a igualdade de oportunidades e a equidade no acesso, mas também o desenvolvimento socioeconómico, os direitos sociais, as condições de vida e os direitos à habitação, à educação e à saúde. Implicados estão, forçosamente: a promoção da saúde; a literacia e capacitação em saúde; a prevenção; os estilos de vida saudáveis e a confiança do cidadão no SNS.

A centralidade do cidadão é um dos pontos críticos da prestação de cuidados de saúde e pressupõe a satisfação das necessidades e a qualidade de vida das pessoas. Não há centralidade sem acesso a recursos fundamentais para a vida, se não forem transformados, pela positiva, os determinantes sociais da saúde.

Dito isto, este artigo focaliza-se em três pontos essenciais.

1 - Acesso aos cuidados de saúde

Uma das primeiras facetas da centralidade do cidadão é o acesso aos cuidados de saúde, aliás previsto pela lei 41/2007, de 24 de agosto, que inclui a Carta dos Direitos de Acesso aos Cuidados de Saúde dos Utentes do SNS. Todos devem ter acesso aos serviços de saúde de qualidade de que precisam, quando e onde precisam. É necessário um sistema que acompanhe o impacto dos determinantes sociais da saúde no acesso aos cuidados de saúde, indicador importante para avaliar o êxito das políticas de saúde.

2- Facilidade de utilização dos cuidados de saúde

Os sistemas de saúde são complexos e muitas vezes confusos. O cidadão comum pode ter dificuldade em navegar no sistema. Assim, a simplificação de percursos e a capacitação do cidadão para utilizar adequadamente os serviços devem ser também objetivos a atingir. Para isso, contribuiria substancialmente transformar o SNS, tornando-o mais integrado e menos fragmentado, e mais orientado para obter ganhos em saúde. Os cuidados deverão ser prestados por equipas que integrem o cidadão nas tomadas de decisão e que sejam suportadas por sistemas de informação desenhados, não com base nas instituições ou nas doenças, mas centrados no cidadão utilizador. É necessário impulsionar os sistemas locais de saúde previstos na Lei de Bases da Saúde, assim como redefinir as funções dos gabinetes do cidadão, para que promovam o envolvimento, participação e controlo por parte dos cidadãos relativamente à sua saúde e aos serviços do SNS.


3 - Capacitação, literacia, informação e participação

A capacitação do cidadão implica promover a literacia em saúde. Com maior literacia, os cidadãos conseguem navegar melhor no sistema, avaliar melhor os cuidados prestados e fazer uma melhor gestão da sua saúde e do seu plano de cuidados. Há, assim, que promover e reforçar estratégias e meios de apoio à literacia, à capacitação e ao empoderamento dos cidadãos. É essencial avaliar sistematicamente a literacia dos cidadãos utilizadores das unidades do SNS, o que contribuirá também para reduzir as desigualdades em saúde.

Por outro lado, para uma melhor literacia, é crucial o acesso à informação em saúde de modo a motivar os cidadãos a adquirirem competências necessárias para fazerem escolhas informadas e participarem ativamente nessas decisões. Esta informação pode ser disseminada pelas instituições do SNS ou pelos próprios profissionais no contacto com os cidadãos. A comunicação deve ser de tal modo que cada cidadão entenda perfeitamente o que lhe está a ser informado. Deve evitar-se linguagem técnica e adequar sempre as mensagens às características pessoais, de escolaridade e culturais dos doentes, seus cuidadores e familiares, para que a prestação de cuidados possa ser considerada centrada no cidadão.

Esta centralidade requer ainda a avaliação por parte do cidadão dos cuidados que lhe são prestados. Até porque a satisfação dos utilizadores tem um impacto substancial na adesão terapêutica e, obviamente, no estado de saúde das pessoas e no recuperar de doenças. É cada vez maior a necessidade de ter em conta as preferências dos doentes para conseguir maior efetividade na prestação de cuidados. É também fundamental a monitorização sistemática da opinião dos utilizadores do SNS sobre a qualidade dos cuidados recebidos e do desempenho dos serviços de saúde, relativamente a aspetos concretos das suas experiências.

Sendo a participação também empoderamento, é fundamental que o cidadão participe na comunidade nas áreas relacionadas com a saúde. Os municípios têm aqui um papel determinante. Devem desenvolver um modelo de governação local para a saúde que inclua a centralidade do cidadão, não só no acesso à saúde, mas também a um conjunto de determinantes que a influenciam. E esse modelo de governação tem de identificar aspirações, satisfazer necessidades, promover a participação e o envolvimento das pessoas na prevenção de doenças e na promoção da saúde. Há que assegurar respostas intersetoriais para e com as comunidades vulneráveis. Todos os Planos Locais de Saúde devem visar objetivos, estratégias e ações concretas promotoras de maior equidade. Há que desenvolver dinamizadores/promotores de saúde pública por bairros ou freguesias, identificando localmente casos complexos de isolamento e de necessidades básicas por satisfizer, constituindo-se como alertas sociais e elementos facilitadores, em colaboração com os serviços de saúde, sociais e autarquias. Por fim, propõe-se a criação de Fóruns de Participação para a Saúde Comunitária, enquanto espaços de diálogo e de concertação estratégica, de monitorização de indicadores e de estruturação de respostas para carências identificadas, influenciando a agenda da saúde, através de recomendações e propostas concretas.


Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Coordenadora do Gabinete Seixal Saudável da Câmara Municipal do Seixal

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt