Aviso de tempestade

Risco de inflação, aumento das taxas de juro, discussões sobre a liberdade orçamental dos Estados membros em tempo de crise, aumento dos preços da energia e das matérias primas, proteccionismo com custos para o consumidor, insegurança nas fronteiras, eleições polarizadas com pressão para promessas impossíveis de cumprir. E a lista podia prosseguir. Estão a juntar-se no horizonte sinais de crise que podem penalizar a Europa. Tanto ou talvez mais do que os Estados e os respectivos governos.
Bruxelas e as Instituições europeias (à excepção do Conselho, que é menos ingénuo) têm de si a ideia de que são um instrumento do bem. As regras, a legislação, os fundos, os valores, o papel no mundo. Em tudo, as Instituições acreditam, sinceramente, que são a superação dos egoísmos (nacionais, regionais ou locais, mas também globais) e a definição de políticas assente em valores e em conhecimento.

Onde a política nacional é povoada de interesses partidários (ou inconfessados) e cálculos de curto ou médio prazo (conforme o ciclo eleitoral), a União Europeia é o oposto, acreditam. Por depender apenas indirectamente de eleições, a agenda da Comissão é (ou era, tradicionalmente) livre das pressões eleitorais. Por estarem longe da governação diária e das responsabilidades que acarreta, os Deputados europeus dificilmente são penalizados por qualquer decisão que se tome no Parlamento.

Tradicionalmente, a não ser no Reino Unido, ou nas franjas de eleitorais de alguns estados membros, a Europa era sempre um elemento positivo. E nas sondagens continua a ser. Mas isso pode mudar.

Depois de 2011, quando a troika chegou a Portugal pela mão de um governo socialista, uma das maiores surpresas foi a objecção que passou a haver à Europa dentro do mais europeísta dos partidos portugueses. Em vez de palmas em congresso, de cada vez que era mencionada, a Europa passou a ser associada às imposições feitas ao país e à austeridade importada (pelo menos até ao Partido Socialista perceber que eleitoralmente tinha muito mais interesse responsabilizar o governo pela governação). De fonte de todo o bem, a Europa passou, subitamente, a ser fonte de todo o mal. Em vez de fundos, cortes nos salários; em vez de Erasmus, emigração.

2011 já lá vai, as economias de Portugal, Irlanda e Grécia recuperaram e a Europa ganhou, sobretudo nos últimos anos, uma nova história para contar. A transformação digital, a resposta às alterações climáticas e um lugar autónomo no mundo são o novo enredo da Europa. Mas a História não é necessariamente o que se quer que seja.

Maior integração - e tem havido muito - expõe muito mais a União Europeia. Já não são só fundos, Erasmus ou mercados para onde exportar. São regras que pesam nos custos das empresas e das pessoas, imposições que limitam a política orçamental de cada país e governo, pressões migratórias que as forças populistas exacerbam, e comparações com as "outras potências" que a diminuem à escala global.

Acresce que o tempo da grande coligação europeia entre socialistas e democrata-cristãos conservadores já não é o que era. O PPE ainda é maioritário no Conselho, mas de todos os países que aderiram antes de 2004, apenas governa em dois (Grécia e Áustria). E embora os socialistas tenham acabado de ganhar na Alemanha, não há uma onda social democrata na Europa. De resto, pressionados pela política nacional, dois dos quatro frugais que em 2019 não queriam a bazuca (Suécia e Dinamarca) tinham governos sociais democratas. O que significa que Bruxelas e o que se decide em Bruxelas pode ser crescentemente conflitual, em vez de consensual, como era a tradição. E a Europa não tem a resistência que os Estados têm.


Consultor em assuntos europeus

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