Avaliar ou não avaliar: Eis a questão
O tema da avaliação do desempenho é transversal a várias áreas da economia e da gestão. Por exemplo, na área das operações há uma longa tradição de práticas e ferramentas de medição de desempenho, na área da contabilidade e do controle de gestão também há um grande número de ferramentas de avaliação de desempenho, com destaque para o balanced scorecard. Na área dos recursos humanos, a avaliação de desempenho é um tema de grande importância e normalmente ligado a questões de compensação e promoção. Na área da economia a medição de desempenho está tipicamente relacionada com a medição da eficiência e da produtividade (de empresas, de países, de regiões, etc.). Enfim, cada indivíduo na sua vida profissional ou pessoal já se deparou com sistemas de avaliação disto ou daquilo.
A febre da avaliação e da accountability (em particular do benchmarking e das avaliações comparativas) tiveram seu momento inicial nas décadas de 80/90 e começou nas escolas. Como se estabeleceu, antes disso, que os alunos deveriam ser avaliados por testes padrão a área da educação passou a ser profícua em medidas de desempenho dos alunos. Mais do que isso essas medidas eram compráveis porque os alunos faziam todos o mesmo teste (ou exame). Daí até se agregarem os desempenhos dos alunos para medir e comparar desempenho entre escolas foi um passo muito pequeno. No fim da década de 90 vivi um ano em Inglaterra e fiz a minha tese de mestrado precisamente sobre avaliação de escolas Inglesas. Na altura havia grandes discussões académicas e públicas, sobre as League Tables (o equivalente aos nossos rankings que apareceram pela primeira vez em Portugal em 2001, e em 2002 foi criada legislação para a avaliação interna e externa das escolas) falando-se de comparar o comparável, e portanto da necessidade de contextualizar os resultados dos alunos à luz das condições das escolas e dos próprios alunos.
O discurso favorável à avaliação das escolas é o discurso da "accountability", isto é, de tornar públicos os resultados para que decisões/escolhas informadas possam ser tomadas e do "benchmarking", isto é, a comparação de desempenhos tem o potencial de gerar melhorias nas organizações que apresentam pior desempenho através da reprodução de boas práticas. Com o bom acolhimento, em geral, destes princípios rapidamente a avaliação passou para outras esferas do setor público (forças policiais, hospitais e clínicas gerais, tribunais, etc.) e do setor privado.
Rapidamente se passou também da avaliação das escolas para a avaliação de universidades. Nos anos 2000 começamos a ver rankings de universidades (que atualmente são muito comuns) e agências de acreditação de universidades. Os selos de qualidade são um resultado da proliferação da atividade avaliativa. Com esta proliferação os alunos ganharam em termos de accountability (é possível escolher uma universidade de forma bastante mais informada hoje do que há 10 ou 20 anos atrás) mas com tantos selos possíveis começa a ser difícil distinguir de facto as universidades e questionamo-nos se as que têm os mesmos selos serão idênticas (ou, onde está a criatividade e o livre arbítrio para criar coisas "fora da caixa" e fora dos selos de qualidade?).
Hoje a avaliação está em toda parte - pessoal, alunos, rankings e classificações de tudo e para todos os gostos. A avaliação criou empregos, criou empresas especializados em avaliação, e criou especialistas e académicos na área da avaliação. Contudo, parece-me claro que há muitos perigos nesta rota que temos vindo a seguir de avaliar tudo e todos a todo o momento. E o perigo é o da avaliação se tornar um fim ao invés de um meio - isto é, os comportamentos são ditados pela avaliação (faço x, ou y, porque assim tenho a avaliação z) e não pelo processo de aprendizagem e melhoria que deve ser inerente a qualquer avaliação e/ou exercício de benchmarking. Isto é, a doença dos diplomas de que falava Ronald Dore em 1976 (referindo-se a avaliação de alunos nas escolas), espalhou-se a outras esferas da sociedade e temos a doença dos selos de qualidade, a doença das acreditações, e a doença dos rankings de tudo e mais alguma coisa. Que fique claro. Eu não sou, nem poderia ser (sob pena de ficar sem emprego) contra a avaliação. Mas debato-me muitas vezes com a questão avaliar para quê? É que se não for para melhorar o processo de aprendizagem (dos alunos, por exemplo), para permitir a um funcionário crescer e progredir, ou para melhorar um determinado negócio, mais vale deixar tudo como está (que é aliás como ficará depois da avaliação).
Professora Catedrática na Católica Porto Business School