Arrábida – encontro com a serra-mãe

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Neste ano de Sebastião da Gama, evocamos o poeta e os seus amigos. E em Maria de Lourdes Belchior descobrimos não apenas a companheira da redescoberta de Frei Agostinho da Cruz, mas também a autora que porventura melhor compreendeu o lugar do poeta na contemporaneidade. “Como Sebastião é diferente! Tanto nos seus versos, límpidos como a água da Arrábida, como na prova do seu diário de professor, que é antes um poema, vimos erguer Sebastião puro, simples, desmesuradamente agarrado à tal solidariedade com a vida dos outros que despersonaliza os homens para os identificar com a sua própria criação e que os não deixa em vida ter morte”. Em Vila Nogueira de Azeitão, celebrámos há pouco a memória de quem transmitiu o carácter único do Mediterrâneo no Atlântico nesse santuário natural que – nos aproxima de Itália e da Grécia – que Orlando Ribeiro estudou, compreendendo o lugar como coração da terra portuguesa. “O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no Inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis como os de Cacilhas de antigamente e de Janeiro a Dezembro, para muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem transpor a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la: porque boas praias, boas sombras e boas vistas há as em toda a parte para os bons banhistas, os bons amigos de bem-comer, os bons turistas, o que não há em toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Sabe-se lá se o alor mítico que vem da origem, se lho deixaram – inefável herança! – os franciscanos do seu Convento?”.

Em tantas conversas com António Osório, recordámos uma terra cheia de História e de histórias, velho retiro de oração, numa cadeia de aldeias antigas onde a corte e a fidalguia vinham veranear no século XVII, com caça grossa, mas que o rei mandou descoutar… E lembramos a força dos olivais que deram nome àquele rincão, mas também a presença dos caramelos do Baixo Mondego, de ir-e-vir ou de ficar, o sabor inconfundível do vinho “Periquita” ou do Moscatel, trazidos por José Maria da Fonseca, vindo Nelas, sem esquecer o queijo de Gaspar Henriques de Paiva, da Serra da Estrela, que descobriu que o método ancestral beirão dera lugar a um produto com características distintas, pela alimentação dos animais e pelos terrenos da península de Setúbal, obtido do leite cru de ovelha, de consistência amanteigada, ombreando entre os melhores e tornando-se inconfundível… 

Tudo isso faz parte da Arrábida, como pura mata mediterrânica temperada pela corrente quente atlântica. Domina o maquis arbustivo, com o lentisco e o carrasco, os alecrins e os tomilhos, introduzindo o carvalho português a cambiante atlântica. E Sebastião da Gama pede ao viandante: “Vá sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que ganha forma, leve, se quiser os versos de Agostinho (…) e experimente como afinal é fácil estar a sós com Deus”. E nessa deambulação vamos olhando a quietude da Serra e a imensidão do mar. E entre os poetas lembramos as tias conselheiras, que por ali se encontram… E despedimo-nos serenamente, com tantos poetas presentes… “Ai não te cales, voz do Poeta errante! /Se não a Serra pode despertar”…

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