Quando falamos de fundos europeus, há dois indicadores que deveriam ser ensinados na escolas portuguesas. Uma espécie de advertência sobre o que um país com a nossa dimensão, geográfica e populacional, aspira a ser.O primeiro é um valor absoluto: 157 mil milhões de euros. Foi isto que Portugal, enquanto país da coesão, recebeu de 1986 até 2022 nos sucessivos quadros comunitários de apoio. Só para não nos perdermos na imensidão dos números, este valor é quase equivalente a tudo o que a nossa economia produziu em 2005. Não foi assim há tanto tempo. Ou seja, desde que estamos integrados na comunidade europeia e até ao final de 2022, Portugal recebeu uma média de 11,5 milhões de euros por dia dos contribuintes dos outros Estados-membros.O segundo indicador é mais recente. É do Tribunal de Contas Europeu e aponta que 90% do investimento público português entre 2014 e 2020 foi assegurado pelos fundos de coesão. Ou seja, nove em cada dez euros foram garantidos pelos fundos europeus.É inegável o desenvolvimento da economia portuguesa e do país desde a entrada na União Europeia (no início CEE). O PIB nacional passou de 28 mil milhões para os 289 mil milhões entre 1986 e 2024, multiplicou-se por dez. Portugal modernizou infrestrutura, digitalizou-se, passou praticamente toda a sua produção de energia para fontes verdes (como a eólica, solar e hídrica), deu saltos enormes na modernização de setores como o têxtil, o calçado, o vinho e outros. Tornou-se um produtor de talento em setores como o software e, vemos agora, também em Defesa.Mas fez tudo ao seu alcance? Como gastou os 11,6 milhões de euros diários? Que esforços fez para deixar de ser um país da coesão (ou seja, recetor de fundos) e passar a ser um país que contribui com a sua riqueza para os próximos a aderir? Essa é uma meta ou nem por isso? Não temos feito trabalho suficiente nessa avaliação. Por isso continuamos a medir o sucesso neste campo pela capacidade de execução dos fundos. Se o Estado português capta 95% (que não fez) do que tinha disponível no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) é um êxito. Mesmo quando o faz submetendo projetos mal amanhados ou de eficácia duvidosa. Só quando não consegue assegurar todo o cheque ou perto disso é que soam as campainhas de alerta. Nem uma palavra sobre quantos euros geraram cada um dos euros metidos nos projetos. No quadro comunitário seguinte os projetos são reciclados e o "círculo da vida" repete-se. Hoje o DN escreve em manchete que os atrasos do Ministério da Administração Interna na submissão de projetos ao abrigo do PRR significam que Portugal deixará de contar com 30 milhões de euros do PRR para a construção de dois centros de instalação de imigrantes. São projetos que já foram várias vezes anunciados e que, agora, podem estar em risco. Na semana passada tínhamos lido algo semelhante para projetos do PRR na Saúde (esse setor que, na verdade, está tão bem que pode passar sem elas), e antes relativamente a apoios perdidos para modernizar linhas de metro ou de comboio.O facto de projetos como estes sofrerem atrasos porque o Estado vai tentar enquadrá-los no quadro plurianual regular, o Portugal2030, diz bem como o nosso país tem a agulha dos fundos europeus bem agarrada ao braço. Como é que os psicólogos dizem aos toxicodependentes e seus familiares? Primeiro é preciso reconhecer que há um problema.