A violação é uma violência de género

O crime de violação é inegavelmente, pelo conhecimento que temos desta realidade, uma violência de género, na medida em que afeta desproporcionalmente as mulheres, no sentido que é dado pela Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica, comummente conhecida por Convenção de Istambul. Ou seja, estamos perante um crime praticado em regra por homens contra as mulheres. Segundo os últimos dados do RASI cerca de 98% dos arguidos são do sexo masculino e 94% das vítimas são do sexo feminino.

Estamos perante um crime hediondo, ninguém tem dúvidas disso, que, segundo os dados do RASI de 2022, aumentou 30,7%, aumentando de igual modo a prática do crime por desconhecidos, pese embora grande parte desta criminalidade seja praticada de forma reiterada por agressores no âmbito das relações familiares ou de proximidade das vítimas.

Os números conhecidos constituem apenas a ponta visível de um iceberg que esconde uma realidade dramática onde as vítimas sofrem sozinhas, em silêncio, com medo e vergonha de se exporem, e, por isso, não pedem ajuda, pese embora sejam afetadas na sua saúde sexual, física e psicológica, muitas vezes para o resto da vida.

Os estereótipos associados a esta grave violação dos Direitos Humanos das mulheres têm levado a uma grande impunidade dos agressores, têm acentuado a estigmatização associada às vítimas e feito paralisar os seus pedidos de ajuda, que, muitas, apesar de o quererem fazer, não o pedem por medo ou vergonha.

A questão que hoje não pode deixar de se colocar é como reforçar a proteção das vítimas que, em situações de grande fragilidade e vulnerabilidade, têm ficado sozinhas a viver este drama, reforçando a inquestionável censurabilidade social com que os agressores têm de ser tratados perante este crime hediondo, e travar a trajetória das violações reiteradas que continuam a ser cometidas.

É importante perceber de que modo se salvaguardam os valores da autodeterminação, mas também os da liberdade sexual, da dignidade, do livre desenvolvimento da personalidade, da saúde sexual, física e psicológica, bem como o risco de o agressor escapar impune e continuar a violar.

É importante perceber de que modo se protegem as vítimas, quando em situação de grande vulnerabilidade e fragilidade sentem que não estão suficientemente protegidas, sendo inclusivamente alvo de grande estigmatização social, e, por isso, não pedem ajuda, nem denunciam o crime, pese embora o queiram fazer, e só não o fazem por medo ou vergonha e falta de proteção.

Estamos perante uma realidade em tudo idêntica ao caminho que percorremos com a violência doméstica, crime público desde 2000. As vítimas não devem expor-se quando não querem, mas o Estado tem o dever de as proteger quando, querendo elas ser protegidas, não o conseguem manifestar por situações de vulnerabilidade e fragilidade a que estas agressões particularmente gravosas as expõem.

Será um absurdo pensar que não punindo os agressores estamos a proteger melhor as vítimas. E não podemos esquecer que apesar do crime poder ter natureza pública os processos podem não ser públicos. Tal não significa que a privacidade e intimidade da vitima não sejam devidamente acauteladas no decurso do processo penal.

A discussão e os avanços que vierem a ser introduzidos no nosso ordenamento jurídico, que devem alinhar pela Convenção de Istambul, como recomenda o GREVIO, e como já foi feito na Alemanha, França, e na grande maioria dos países europeus, estão agora em discussão na Assembleia da República, o sítio certo para se travar este debate.

Todos os contributos devem ser dados aos diplomas que estiverem em discussão, para, em sede de especialidades, se efetuarem os avanços a que Portugal nos têm habituado em termos da dignidade da pessoa humana, da segurança e proteção das vítimas e do combate intransigente a qualquer tipo de violência de género.

Investigadora em Violência de Género

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