A sabotagem dos Nord Stream e a clivagem no Ocidente

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A 26 e 27 de setembro, 4 explosões em águas da Dinamarca e da Suécia destruíram partes dos gasodutos Nord Stream. De acordo com o Der Spiegel, nem o governo alemão, nem a UE ou a NATO têm dúvidas de que estas explosões resultaram de sabotagem e não de falha técnica.

Os gasodutos Nord Stream estão em profundidades marítimas que variam entre os 80 e os 110 metros, tendo peritos consultados pelo Asia Times considerado que terão sido utilizados veículos subaquáticos pilotados remotamente (ROUV ou ROV) para colocar explosivos nos gasodutos, não sendo possível excluir que tenham sido utilizados mergulhadores especialistas.

Este ataque a infraestruturas subaquáticas críticas é uma gravíssima irresponsabilidade e um precedente perigoso.

Quem terá promovido a sabotagem em causa? Ninguém reclamou a autoria e mesmo após as averiguações da Nord Stream AG - proprietária dos gasodutos em causa - não deverá ser possível ter certezas. Não é crível que qualquer país europeu arriscasse praticar estes atos de sabotagem contra os dois gasodutos. Além disso, tal medida poderia ser considerada pela Rússia como um ato de guerra. Há meses houve rumores de que a Ucrânia poderia promover atentados contra o Nord Stream 2; mas não têm ROUV para o efeito nem é crível que o fizessem quando a Alemanha apoia a Ucrânia na guerra. No que tange à Rússia, que já havia desligado o gás nos Nord Stream, e pode sempre repeti-lo no futuro, não se descortina qualquer necessidade ou interesse em destruir infraestruturas vitais que lhe permitem arrecadar significativos rendimentos e lhe dão uma margem de manobra próxima da chantagem sobre a principal potência europeia.

As infelizes declarações de Biden em fevereiro de 2022 sobre como não permitiria que o Nord Stream 2 funcionasse são chamadas agora à colação. Todavia, é inconcebível que o governo dos EUA tenha, de alguma forma, dado a sua aquiescência a esta sabotagem.

Sem os Nord Stream e outros gasodutos provenientes da Rússia (que continuam intactos...), a dependência europeia (sobretudo alemã) de LNG americano é enorme e continuará a aumentar (c. 40% em 2030). Sendo que o custo desse LNG é já mais de 3 vezes o do preço do gás no mercado doméstico americano, estando a retirar competitividade às empresas europeias. O pano de fundo histórico para estes atos de sabotagem inclui também negociações em curso relativamente a contratos para o fornecimento de LNG a longo prazo entre empresas alemãs e empresas fornecedoras estrangeiras, sobretudo dos EUA. Relativamente às quais o governo alemão se tem queixado dos "preços astronómicos" exigidos pelos fornecedores, queixando-se de falta de solidariedade dos EUA.

Independentemente do que as [morosas] investigações vierem a revelar (provavelmente nada de definitivo), se a opinião pública alemã considerar que interesses americanos estão por trás desta sabotagem e contribuíram para uma escalada brutal do custo de energia na Alemanha, teremos aquilo que a guerra de Putin de agressão à Ucrânia não conseguiu: uma clivagem na relação de confiança entre os EUA e a Alemanha.

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