A retórica do tesão
Ainda o debate do orçamento do Estado dava os seus primeiros passos, já a moeda má fazia miséria nas sessões parlamentares. A Lei de Gresham, apesar de enunciada há algo como 465 anos, mantém-se mais do que atual, recordando-nos a cada dia que, sim, a moeda má expulsa a moeda boa, impondo-se no mercado doméstico, neste caso a política caseira.
No arranque dos trabalhos que hão de conduzir à aprovação do OE 2025, o deputado do PSD Hugo Carneiro, lamentando a multiplicação de alterações aprovadas pelos deputados da oposição, que ameaçam descaracterizar a proposta de orçamento, não hesitou em apelidar o exercício de “orgia orçamental”.
André Ventura, o arguto líder do Chega, cheirou a oportunidade e não se fez rogado. “Senhor deputado Hugo Carneiro... eu não sei se é um orçamento de orgia... e sem querer descer o nível da linguagem deste parlamento... uma vez que o Chega se pauta pela elevação do debate público... se estas são as propostas de orgia orçamental, as vossas são as da maior impotência orçamental de que há memória em Portugal”.
Os sorrisos enternecidos dos deputados que rodeavam Ventura na bancada, perante a irresistível verbalização da dicotomia orgia-impotência, explodiram em aplausos e abertos risos de regozijo, bem liderados pelos escudeiros Pedro Pinto e Cristina Rodrigues, que se entregaram à folia com um louvável empenho.
Impulsionado pelo entusiasmo dos seus pares, Ventura apressou-se a clarificar que “em boa verdade, sempre é melhor orgia do que impotência”. Em boa hora o portfolio de virtudes desta direita foi enriquecido com a retórica do tesão, tão bem interpretada por um esforçado ex-forcado, que agora é líder parlamentar, e por uma antiga deputada do PAN, que agora terá vislumbrado o potencial de uma boa tourada. Nada como uma simbiose perfeita.
Ainda há pouco, o incumprimento dos deveres de urbanidade e de lealdade institucional, dentro e fora das sessões parlamentares, fora objeto de discussão na conferência de líderes. Ao que parece, houve quem ficasse importunado com o facto do valente deputado Pedro Pinto ter sugerido que a polícia devia entrar a matar contra os bandidos. Ao que chegámos! Os fracotes dos deputados dos partidos do sistema – que não os do Chega, moral e esteticamente superiores – pensam que isto vai lá com tiros para o ar. Não, o país só se endireita com pontaria afinada, músculos avantajados e, claro, muito tesão.
Enquanto assistia ao show de Ventura e seus acólitos, dei comigo a pensar que, nesta legislatura, os códigos de conduta foram de tal modo amarrotados que se o hemiciclo fosse cercado de tábuas, transformava-se numa tourada. Homens fortes, sem papas na língua, batidos no argumentário “a minha é maior que a tua”, aplaudidos por colegas (eles e elas) sedentos de orgia. Escusado será dizer que os toureados somos nós.