A evolução da geopolítica nos últimos cinco anos - nos quais assistimos a uma invasão russa na Ucrânia, à nova postura económica da mais recente administração Trump e as respetivas reações de grandes potências como a China ou da União Europeia - tornaram evidente que há uma relação direta entre o grau de dependência destes agentes e as suas ações ou reações.É óbvio que os Estados Unidos, hoje, são menos dependentes energicamente do petróleo, graças às enormes quantidades de shale oil e shale gas que extraem internamente. Ao contrário da Europa, que continua a depender do gás russo e militarmente dos caprichos ou da estabilidade da administração americana que estiver em funções.A China, que percebeu há décadas que o seu crescimento depende da energia produzida por outros, está a acelerar como pode para as renováveis e a gastar centenas de milhares de milhões na investigação de formas alternativas, como o hidrogénio. Não é a vontade de respeitar o ambiente que impera, mas sim a necessidade urgente de não querer ficar sufocada por outros agentes.Neste aspecto, o da independência energética, Portugal é um caso de estudo. O nosso país abraçou em inícios do milénio o desígnio das Renováveis, na altura com o slogan de que não poderíamos depender das importações de petróleo e gás, que por cá não existe em quantidade comercialmente viável.A figura desse desígnio, por muito que custe a admitir à memória coletiva dos portugueses, chama-se José Sócrates, o ex-primeiro-ministro que hoje está em julgamento por suspeitas de corrupção e fraude. O mesmo homem da atitude do “quero, posso e mando”, que maquinou para controlar e amordaçar a comunicação social - como algumas redações sentiram, demasiado perto até -, que endividou tanto Portugal que nos levou a uma dolorosa intervenção da Troika, também foi o homem que apostou e levou em frente um plano que, 20 anos depois, não pode deixar de ser considerado um sucesso. Hoje, Portugal tem uma quota de renováveis de 70% (mais do dobro do que no ano 2000), tem players reconhecidos mundialmente, como a EDP Renováveis ou a Greenvolt - e há setores inteiros da economia nacional a reinventarem-se neste campo, há empregos verdes a surgir. Damos cartas e, como disse esta semana ao Dinheiro Vivo o presidente da Agência para a Energia, “mais do que ser aluno, já podemos ser o professor”. Aliás, Lisboa bem poderia ter como plano ser a Capital Mundial da Sustentabilidade, se os candidatos autárquicos tivessem cabeça para pensar a mais do que dois anos de distância. É certo que o arranque das renováveis em Portugal implicou uma remuneração inicial dos investidores de tal forma alta que se criou um défice tarifário que demorou anos a pagar. É certo que houve debate político sobre a opção, acusações de rendas excessivas e de compadrio. Mas no essencial, houve - por uma vez - um pacto de regime tácito: o caminho das renováveis não se mexe substancialmente. E, surpresa das surpresas: com um plano, capacidade de decisão e políticas estáveis (apesar das passagens de pasta nos governos), o país chega a 2025 menos dependente dos choques energéticos no mundo. Talvez um dia possamos fazer o mesmo com a nossa segurança e Defesa. E pode ser que em 2050 consigamos dormir todos um pouco mais tranquilos.