O Ministério da Educação, Ciência e Inovação apresentou uma proposta para a nova Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Em comparação com a estratégia atualmente em vigor, esta proposta revela uma desvalorização da Educação Sexual no ensino básico e secundário, ao eliminar do currículo escolar o domínio da Sexualidade (que inclui temas como diversidade, direitos, saúde sexual e reprodutiva). Esta desvalorização contraria a legislação nacional em vigor — nomeadamente a Lei n.º 60/2009, sobre a Educação Sexual —, bem como a evidência científica e os consensos internacionais amplamente reconhecidos. As organizações das Nações Unidas, como a Organização Mundial da Saúde, a UNESCO e a UNICEF, destacam o papel fundamental da Educação Sexual na preparação das crianças e dos jovens para uma vida segura, saudável e plena. A Educação Sexual visa dotar as crianças e os jovens de conhecimentos, competências, atitudes e valores que os habilitem a compreender a sua saúde, bem-estar e dignidade, desenvolver relações sociais, afetivas e sexuais respeitosas, considerar como as suas escolhas afetam o seu próprio bem-estar e o dos outros e compreender e garantir a proteção dos seus direitos ao longo da vida. É essencial num contexto em que o VIH/SIDA, outras infeções sexualmente transmissíveis, a gravidez não planeada, a violência e a desigualdade de género, bem como a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de género, continuam a representar sérios riscos para o bem-estar juvenil e contribuem para o surgimento e agravamento de diversas doenças psiquiátricas. Paralelamente, tem havido avanços significativos no conhecimento sobre o comportamento e a diversidade sexual, e na ligação das questões da sexualidade à saúde mental, física e ao bem-estar geral. Reconhece-se cada vez mais que a Educação Sexual ajuda a proteger a saúde de crianças e jovens, estabelecer relações baseadas no respeito e fazer escolhas informadas e responsáveis — o que é particularmente relevante numa era em que a exposição a conteúdos sexualmente explícitos através da internet e dos media é crescente. A evidência científica demonstra de forma consistente que uma educação de qualidade tem efeitos positivos duradouros na saúde e no bem-estar. Jovens bem informados sobre sexualidade, saúde sexual e reprodutiva e os seus direitos tendem a adiar o início da atividade sexual e, quando a iniciam, a adotar práticas sexuais mais seguras. Além disso, a Educação Sexual contribui para que se preparem melhor para as transformações físicas e emocionais da puberdade e adolescência, ajudando-os a reconhecer sentimentos e emoções, compreender o respeito mútuo, os diferentes tipos de relacionamento, a tomada de decisões livres de coação e violência, o consentimento e os seus direitos — pilares fundamentais para relações saudáveis ao longo da vida. Ao abordar conceitos como igualdade de género, não discriminação, violência e violência de género, e abuso sexual, a Educação Sexual ensina o que é um comportamento aceitável e o que não o é, orientando os jovens sobre quando e a quem pedir ajuda em situações de risco. Assim, a Educação Sexual contribui para reduzir a violência - incluindo violência no namoro, violência por parceiro íntimo e violência baseada na orientação sexual e na identidade/expressão de género - a discriminação, o assédio e o abuso sexual. Como especialistas em Psiquiatria e Saúde Mental, tanto de adultos como de crianças e jovens, sublinhamos a extrema importância deste contributo, pelo impacto que o bullying, a discriminação e o abuso sexual têm no aumento de risco para doença mental.A sexualidade é uma dimensão complexa da experiência humana, e a escola deve ser um espaço privilegiado para aprender a lidar com essa complexidade. A sua abordagem no contexto escolar deve ser abrangente, considerando não apenas os aspetos sanitários e reprodutivos, mas também os fatores emocionais, psicológicos e culturais. É fundamental que se promova o respeito pela diversidade, pelos valores e pelos sentimentos de cada pessoa. Diversos estudos científicos internacionais, alguns dos quais realizados em Portugal, indicam a necessidade de garantir que o programa de Educação Sexual seja aplicado de forma mais ampla e sistemática nas escolas e que tenha uma maior abrangência e diversidade dos temas trabalhados. É essencial reforçar a implementação da Educação Sexual no meio escolar para conseguir responder, de forma efetiva e com qualidade, a dados alarmantes como o aumento de infeções sexualmente transmissíveis e de violência no namoro entre os jovens do nosso país. As organizações internacionais têm desenvolvido orientações técnicas para uma Educação Sexual efetiva e integrada nos curriculos escolares, realçando a necessidade de programas baseados na evidência científica, sobre os aspetos cognitivos, emocionais, físicos e sociais da sexualidade, adaptados à idade e ao nível de desenvolvimento da criança e do jovem, bem como ao contexto local e cultural. Estas orientações recomendam uma abordagem educativa centrada no aluno, na qual a aprendizagem se baseia no conhecimento que o aluno já possui e constitui uma forma de crescimento pessoal, incentivando o uso de práticas reflexivas para pensar criticamente sobre as suas atitudes e decisões e o impacto que têm nas suas vidas. Deve ser um processo educativo contínuo e incremental centrado em oito conceitos-chave, repetidos com complexidade crescente: 1. Relações2. Valores, direitos, cultura e sexualidade3. Compreender o género4. Violência e segurança5. Competências para a saúde e o bem-estar6. O corpo humano e o desenvolvimento7. Sexualidade e comportamento sexual8. Saúde sexual e reprodutiva As recomendações técnicas internacionais para a implementação da Educação Sexual no meio escolar incluem:· Ter orçamentos claros, definidos a nível governamental, para garantir a implementação de políticas e programas que apoiem a implementação de uma Educação Sexual abrangente e de boa qualidade para todos os alunos· Investir na reforma curricular de qualidade, na formação de professores e na colaboração com estruturas da comunidade, nomeadamente da Saúde e da Academia, para disseminação de informação de qualidade e cientificamente sustentada· Reforçar o acompanhamento da implementação da Educação SexualPara ter programas efetivos de Educação Sexual no meio escolar é fundamental desenvolver currículos de qualidade e definir uma estratégia de implementação, com monitorização e avaliação dos programas. Na construção dos currículos é crucial o envolvimento de especialistas em sexualidade humana, comportamento e pedagogia e dos próprios jovens e das suas famílias, bem como avaliar os recursos humanos, logísticos e financeiros disponíveis para os implementar. Neste processo é importante empregar métodos de ensino participativos e selecionar professores capacitados e motivados para lecionar o currículo, proporcionando-lhes formação de qualidade e oportunidades de desenvolvimento profissional. E é fundamental avaliar os resultados do programa e monitorizar a sua real implementação. A escolaridade obrigatória e universal representa uma oportunidade única para garantir que todos os jovens tenham acesso a informação científica rigorosa, e para os apoiar no desenvolvimento de competências essenciais à sua saúde, bem-estar e cidadania.Direção do Colégio de Psiquiatria e do Colégio de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da Ordem dos Médicos