A destruição do 'soft power' americano

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Já na sua primeira Presidência, a política America First de Trump provocara uma forte erosão do soft power dos EUA. O mau relacionamento com países aliados, o fascínio por queridos líderes autocratas, a retirada de acordos globais como o Acordo Climático de Paris e a falta de apoio à OMS no combate à covid-19, foram algumas das razões para essa erosão.

Com Biden, a imagem da América no mundo melhorou. Reiterou o multilateralismo, assumiu os valores da democracia e da liberdade como pilares da posição dos EUA no mundo, reforçou a cooperação internacional, em especial com o Ocidente+. E a atratividade da cultura e da sociedade civil americana manteve o seu soft power elevado.

Neste segundo mandato de Trump presidente, volta a optar-se por uma postura transacional em detrimento dos valores da democracia e da liberdade, rejeita-se o multilateralismo, a transição climática, a abertura à diferença e, mais do que uma erosão, assistimos a uma destruição do soft power americano. Países como o Canadá e o México são tratados como inimigos, com ameaças de tarifas a roçar a chantagem (em flagrante violação dos acordos entre estes países e os EUA e os tratados da OMC).

As declarações de Trump sobre a “aquisição” (!) da Gronelândia com pretextos risíveis são uma ofensa inaceitável a um país europeu aliado na NATO. A ameaça de invasão do Panamá, em desrespeito por acordos celebrados pelos EUA, misturando a concessão de portos à saída do canal a empresas de Hong Kong com controlo chinês do canal, revela uma postura de desrespeito pelo Direito Internacional mesclada com “factos alternativos”.

Sem prejuízo da eliminação de muita despesa duvidosa, o corte abrupto da assistência externa dos EUA - incluindo programas de luta contra doenças, de alimentação de crianças, de desminagem e de promoção de Direitos Humanos, promovidos pela USAID - vai refletir-se na imagem externa do país.

A lógica merceeira e imediatista subjacente ao America First vai tornar, a prazo, os EUA menos seguros, menos fortes e menos prósperos.

Como o Financial Times bem assinala, os ganhos com a ajuda externa são frequentemente indiretos e difíceis de quantificar monetariamente. Combater a pobreza e as doenças e contribuir para o desenvolvimento económico torna o mundo mais seguro e próspero, diminui a instabilidade, combate a disseminação da autocracia e do extremismo e cria mercados para exportações americanas. Não raro, a assistência promove a boa vontade que facilita o caminho para objetivos diplomáticos mais vastos.

Apesar da bênção do silêncio temporário dos euro-atlantistas, à outrance, é preocupante não apenas a queda a pique do soft power dos EUA, mas também a velocidade com que a atual liderança estado-unidense vai fazendo crescer o sentimento antiamericano (e antiocidental) em todas as latitudes.

Consultor financeiro e business developer

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