A crença num mundo justo é muito frequente e leva-nos acreditar que acontecem “coisas boas” às pessoas boas e “coisas más” às pessoas más, ou seja, que cada um tem aquilo que merece - os “bons” são recompensados e os “maus” são punidos. Associados a esta crença, que tem vindo a ser estudada pela Psicologia Social desde os primeiros estudos publicados (de Melvin Lerner, nos anos 60 do século passado), vemos diversos ditos populares como, por exemplo, “cada um tem o que merece”, “quem planta, colhe” ou ”o feitiço vira-se contra o feiticeiro”. Esta crença acaba por ter uma função adaptativa, ajudando-nos a compreender os motivos pelos quais as pessoas mobilizam os seus esforços no sentido de conseguirem alcançar algo - acreditar num mundo justo (em que o que fazemos se relaciona com o que obtemos) ajuda-nos a viver diariamente com maior sensação de controlo, confiança e esperança no futuro.Mas se pensarmos de forma objetiva, rapidamente concluímos que o mundo não é justo e que pessoas inocentes são castigadas, ao mesmo tempo que pessoas que exibem comportamentos desajustados ou agressivos são, tantas vezes, premiadas, saindo ilesas das mais diversas situações.E quais são as possíveis implicações desta crença?Uma das várias implicações desta crença é a tendência que se observa em culpabilizar as vítimas pelo seu sofrimento. Acredita-se que alguma coisa terão feito para o justificar e que, muito provavelmente, merecem aquilo que vivenciam. Também as pessoas pobres são, muito frequentemente, culpabilizadas pela sua pobreza, ignorando-se todo um conjunto de variáveis que contribuem para essa situação. Ou seja, podemos assistir a um processo de vitimização secundária das vítimas.Diversas estratégias podem ajudar-nos a compreender a manutenção desta crença, tentando reduzir a perturbação causada pela constatação de que, afinal, o mundo não é justo. Por exemplo, quando tentamos, de alguma forma, minimizar o sofrimento de alguém, adotando comportamentos de ajuda. De forma um pouco mais irracional, ou seja, muitas vezes sem se ter a consciência do que se está a fazer, podemos também assistir a outro tipo de estratégias, como a negação, o evitamento (por exemplo, evitar ver as notícias, desviar o olhar perante uma pessoa que vive na rua) ou a desvalorização do sofrimento da vítima.Era bom - muito bom, aliás - que o mundo fosse justo. E também percebemos que acreditar, ainda que parcialmente, num mundo justo nos ajuda a seguir em frente com mais otimismo e esperança. No entanto, a necessidade em manter esta crença pode conduzir a uma minimização do sofrimento dos outros, culpabilizando-os por aquilo que vivem. E é importante que todos possamos refletir sobre isto. Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal