A história tem estranhos caminhos, singulares pontos de partida e de chegada, que muitas vezes são os mesmos, ainda que a diferença apenas se faça notar com a passagem de uns séculos pelo meio. No século XIX tornou-se famosa a expressão “Diplomacia da Canhoneira”, um método que as potências ocidentais - quase todas as grandes nações a usaram - tornaram famosa. Tratava-se de fundear um ou mais navios de guerra fortemente armados em frente a uma qualquer capital e exigir o cumprimento dos desígnios do soberano, a milhares de milhas de distância. Ou seja, fazer uma demonstração de poder militar como meio de pressão ou intimidação para alcançar objetivos diplomáticos.Neste capítulo haverá poucos inocentes. A Marinha Real britânica, entre muitos outros exemplos, bloqueou os portos chineses nas Guerras do Ópio, para obter vantagens comerciais. Os Estados Unidos enviaram uma frota para a Baía de Tóquio para forçar a reabertura (Portugal já o tinha feito uma vez…) dos portos japoneses ao comércio ocidental. E Portugal utilizou as suas canhoneiras para reafirmar a sua força (que a dada altura começava a esvair-se) nas costas africanas ou em Macau. Obediente a estranhos humores, a história repete-se. Em 2025, a política da canhoneira continua viva, pela mão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Só a tecnologia evolui. Como a natureza humana não muda, as premissas da tática são as mesmas: a ameaça, a exibição de força, o alcançar de um compromisso que se possa vender como “excelente” face ao ponto a que poderíamos ter chegado, mas que é péssimo face ao ponto de partida. Pelo menos para quem foi o alvo. Foi assim, no domingo, com a UE.A União Europeia aceitou a aplicação de tarifas de 15% sobre os seus produtos comercializados nos Estados Unidos. Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, sorriu e recordou que a partir de 1 de agosto estas taxas alfandegárias - unilateralmente propostas por Trump - poderiam ter chegado a 30%. Berlim e os fabricantes automóveis sorriram; Paris e os produtores de vinho (Bordéus e outros) fizeram um esgar. Em Portugal deveremos estar no saco dos que vão sofrer mais com isto, uma vez que vinho e produtos farmacêuticos são as nossas principais exportações - euro por euro - para os EUA.O mais irónico da “Canhoneira Tarifária” de 2025 é que os Estados Unidos praticamente ainda obrigam os Estados europeus a comprar armamento norte-americano para entregar aos ucranianos na guerra contra a Rússia. A demonstração de força de antigamente agora faz-se por catálogo, com “test drive” num país às portas da Europa e com pretensões genuínas - até encorajadas em Bruxelas - de aderir à UE.É possível que já não vejamos tanta gente a rir-se de Donald Trump, dos seus avanços e recuos táticos ou a gracejar com o seu livro, The Art of the Deal. Há uma diferença muito grande entre ter uma posição de força e saber-se quando se tem essa posição de força. Face à China, os EUA subiram o tom, tiveram resposta à altura e pensaram duas vezes; frente à Europa não houve sequer discussão.