A briga está perdida

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Os dois principais institutos de sondagens brasileiros, Datafolha e Ipep, revelaram na semana passada que a maior dúvida das eleições de 2022 é se Lula da Silva, com percentagens em torno dos 49%, ganha logo à primeira ou apenas à segunda volta.

O que resta do bolsonarismo, no entanto, não acredita porque os institutos de sondagens brasileiros fazem parte de uma conspiração comunista global. E os jornais que as publicam também. Além da universidade, da classe artística, das urnas eletrónicas, dos juízes do Supremo, do George Soros, do Obama, da covid-19, das farmacêuticas, das vacinas, da OMS, da ONU, das ONG, do Leonardo di Caprio, do Galileu Galilei, da Terra redonda, das árvores, dos mamíferos, das aves - aliás, os pássaros não existem, são drones dirigidos pelo estado para controlar a população, uma teoria satírica - "birds aren"t real" - em que os trumpistas, versão anglo-saxónica dos bolsonaristas, acreditou piamente.

Não, o bolsonarismo não se deixa enganar por nada além daquilo que lê em correntes de Whatsapp assinadas, por exemplo, por Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores de Bolsonaro indiciado pela CPI da covid por incitação ao crime e propagação de epidemia que criou incidentes diplomáticos com o mundo árabe, a França, a Alemanha, a Venezuela, a Noruega, Cuba, a China, o Chile, o Irão, a Argentina. E para quem o nazismo é coisa da esquerda, ao contrário do que andam aí a propagar o Museu do Holocausto e 100 em cada 100 historiadores.

Ou de Abraham Weintraub, o ministro da Educação de Bolsonaro que, antes de fugir para os EUA com medo de ser preso por insultar o Supremo, chamou Franz Kafka de "kafta", iguaria árabe muito comum no Brasil, atacou "o PT e os seus acepipes", presumindo-se que em vez do sinónimo de petiscos quisesse escrever algo como "acólitos" ou "asseclas", e que em carta enviada ao ministério da economia, se queixou da possível "suspenção" e eventual "paralização" do ensino superior.

Ou de Ricardo Salles, o ministro do Ambiente de Bolsonaro alvo de uma operação da polícia federal por contrabando em conluio com empresários do ramo madeireiro, que já fora, enquanto secretário da mesma área no governo de São Paulo, processado por fraude ambiental e se tornou conhecido do mundo por ganhar o concorrido prémio de pior ministro do Ambiente do planeta e se tornar sinónimo nas revistas científicas de queimada e de desmatamento.

Araújo, Weintraub e Salles, bolsonaristas de raiz, participaram numa live na última segunda-feira à noite com Olavo de Carvalho, o astrólogo que é o guru dos três, de Bolsonaro, dos filhos dele e de todos os outros brasileiros que confundem conservadorismo com atraso.

Os três, assim como os ouvintes, empalideceram quando Olavo disse que Bolsonaro não passa de um "prefeito do interior" [autarca de província, portanto] a quem ninguém obedece. "Essa manifestação do 7 de setembro [a favor do governo, contra os outros poderes e, eventualmente, a favor de um golpe de estado] foi o maior desperdício de apoio popular. O povão disse: "Autorizo". E o que foi que ele fez? Nada".

E sobre as eleições de 2022 foi claro: "Não me venham com esperanças tolas, a briga está perdida". Quando até o guru bolsonarista acredita em sondagens comunistas, está perdida mesmo.

Jornalista, correspondente em São Paulo

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