-Slava Ukraini! -Heroiam Slava!

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À medida que os russos vão deixando para trás aldeias, vilas e cidades, o mundo dos senhores de fato e gravata descobre, espantado, as atrocidades que estão a ser cometidas. A guerra, ainda que não pareça, tem regras. E, depois, há o direito internacional e as convenções.

As imagens que estão a chocar o mundo e a provocar "reações" de grande indignação não só eram expectáveis como, pior, já havia há muito relatos de sobreviventes que contavam aquilo a que tinham assistido. A hipocrisia do "ocidente", da "comunidade internacional" e das "organizações", que agora abrem a boca de espanto, revela não só uma cobardia imensa, como, até, alguma cumplicidade com o regime de Moscovo, quanto mais não seja pela inação.

A diplomacia tem, é certo, os seus tempos. Mas durante quase 40 dias, os ucranianos estiveram verdadeiramente sozinhos numa batalha desigual, com "a Europa" a assistir e a dizer que não podia intervir. "Please, close the sky". Era apenas isto que os ucranianos pediam à NATO, ao "ocidente", aos "países amigos". Nada. Nada de NATO, nada de "aviões" da "Europa" a fechar os céus, nenhuma outra nação soberana quis estar ao lado da Ucrânia. E, nessa medida, os que agora procuram encontrar o adjetivo mais forte para classificar o que não tem classificação são, nessa medida, cúmplices.

No fim do dia, a questão é sempre a mesma. Os mais poderosos, podem. Os mais fracos, sofrem. E, além disso, "é a economia, estúpido". E, sobre isso, estamos conversados. As relações económicas - prefiro chamar-lhe negócios - com um regime de oligarcas, de um ditador que se perpetua no poder através de "eleições" sucessivas; de alterações constitucionais que lhe permitem que se perpetue; de ameaças constantes; de guerras cirúrgicas aos longo dos últimos 20 anos; tudo isto aconteceu debaixo dos olhos "da Europa", da NATO, da ONU, da União Europeia e dos demais "países ocidentais" que fizeram de conta que Chechénia, a Ossétia, a anexação da Crimeia, o Donbass, a Transnístria, não estavam a acontecer. Porquê? Porque era uma "coisa lá deles", não estava às portas da Europa e não consta que os deslocados e refugiados desses lugares remotos tivessem entrado em massa pelas fronteiras da UE adentro.

Há muito que muitos vinham avisando para o que estava a acontecer no Leste. E há muito que a desvalorização dos mais variados atos de guerra, ocupação e anexação praticados durante o consulado do imperador Putin tinham por parte do resto do mundo "ocidental" uma vista grossa. Ou, pior, interesseira. Ou, pior ainda, cobarde e cúmplice.

Os negócios, sempre os negócios, a opacidade do regime, a dificuldade em "entender" os mecanismos do pensamento de Putin, a teoria do politicamente correto entre "nações", a "não ingerência" em assuntos "internos" de "nações soberanas", o tal direito internacional. Tudo foi servindo de desculpa, de filtro, de véu. Até 24 de fevereiro.

E, mesmo assim, a invasão, a guerra, a ocupação, a fuga em massa, o êxodo de cinco por centro da população e a deslocação de outros cinco por cento, nada disto fez soar os alarmes para o que estava a acontecer nas ruas de aldeias, vilas e cidades ucranianas.

Os ucranianos resistem. Resistem com uma resiliência, uma coragem, um empenho, uma solidariedade e decência que deveria fazer corar de vergonha os "altos dignitários" dos povos de outros países. As execuções em massa, as valas comuns, o ataque a hospitais, a maternidades e prédios de habitação, a morte indiscriminada de civis, o abate de pessoas desarmadas e de mãos no ar a pedirem clemência. A questão é, para mim, como é que em 2022 foi possível, ao "resto do mundo", assistir a isto.

Um dia, talvez, os criminosos de guerra venham a ser condenados e, até, presos.

E o que vai acontecer aos que, com o silêncio, apatia, cobardia, inação e ganância, permitiram estes crimes?

Jornalista

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