O império Inditex: Como a Zara pensa, cose, vende, veste

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Sandálias e roupa interior Oysho.T-shirt Zara. Colar Zara.

Carteira Uterque. A enumeração podia ser um exercício para me

lembrar do que levava vestido no dia em que visitei a sede da Inditex

em Arteixo, na Corunha. Mas não. É uma conclusão de que 80% da

roupa que eu vestia é de marcas de Amancio Ortega, fundador do maior

grupo têxtil do mundo.

Não é difícil: a Inditex foi criada em

1975, ano da abertura da primeira loja Zara, mas o portfólio do

grupo inclui ainda as marcas Pull & Bear, Massimo Dutti, Uterque,

Oysho, Zara Home, Bershka e Stradivarius. Não surpreende a

predominância de roupas do grupo no armário de uma portuguesa: das

quase 6 mil lojas em todo o mundo, a Inditex tem 344 em Portugal, o

que torna o país o segundo maior mercado em número de pontos de

venda, logo a seguir a Espanha. "Cada uma das empresas é

pequena quando considerada isoladamente dentro da Inditex - a Zara

representa mais de 60% da faturação do grupo -, mas, se vemos uma a

uma, encontramos uma grande empresa no sector de distribuição de

moda e uma marca que está em mais de 50 países e tem números de

lojas também muito importantes", explica Raúl Estradera, do

departamento de comunicação externa da Inditex e guia na visita ao

quartel-general da empresa.

As oito marcas do universo Inditex são reflexo do multiformato,

uma das apostas do grupo: se há dez anos, quando o grupo pensava

entrar na bolsa espanhola, a questão gerava muitas dúvidas - os

analistas questionavam a necessidade de a Inditex apostar energia e

recursos noutros formatos, quando tinha na Zara um modelo

bem-sucedido, que ia colocar à prova criando marcas que seriam suas

concorrentes -, a equipa de Amancio Ortega sempre soube que a

diversidade de formatos aumentaria as possibilidades de crescimento.

Várias marcas permitem uma maior aproximação a segmentos de

mercado de forma muito mais efetiva e aumentam o alcance na abertura

de lojas em novos mercados: num centro comercial, a Inditex abre, de

uma vez só, seis ou sete lojas diferentes, aumentando a capacidade

de negociação de preços.

No coração da Zara nada é deixado ao acaso. O carro fica

estacionado antes da portaria e a identificação é feita num

gabinete envidraçado. Na lista do segurança, o meu nome, o do

jornal e a hora do encontro. Um cartão de plástico abre a cancela.

O caminho está assinalado até ao parque subterrâneo com espaço

para mais de dois mil carros, onde os funcionários também

estacionam. Os lugares para visitas são os mais próximos da porta

do elevador que leva à receção: estão pintados de amarelo para

não haver enganos. No elevador não há espelho, mas há um ecrã, a

única referência às marcas do grupo além das letras Inditex antes

da portaria, um relógio e música comercial. Na receção três

telefonistas. A fachada é espelhada de azul. Lá dentro, branco e

cinzento claro, linhas simples, portas fechadas, gabinetes

envidraçados. Um corrupio organizado de gente que parece vestida de

Zara dos pés à cabeça. Identificam-se as linhas simples das calças

vincadas, as tachas das botas que já estão nas lojas, o casaco de

cabedal preto com fecho prateado. Algumas mulheres usam saltos, mas

nenhuma tem acessórios. Parecem montras ambulantes à espera de

receberem enfeites adequados.

As primeiras apresentações da empresa são feitas numa sala com

uma mesa redonda: um quadro interativo mostra gráficos de lucro e

investimento que sobem com o passar dos anos. A Inditex fechou o

primeiro trimestre do ano com 5618 lojas em 84 mercados, 109 512

empregados. 2011 terminou com 13,7 mil milhões de euros em vendas e

2 mil milhões de euros de lucro. Em Arteixo trabalham 350

desenhadores de 33 nacionalidades, num open space, divididos por três

departamentos diferentes - kids, man e woman. Cada área criativa

cruza designers e country managers, os comerciais responsáveis por

cada mercado nacional que transmitem aos desenhadores aquilo que os

clientes querem. É deste trabalho comum que resultam as mais de 20

mil referências vendidas anualmente nas lojas da Zara e onde são

testados os modelos de roupa de homem e mulher em modelos reais, e os

de criança em manequins, onde é avaliada a qualidade e de onde saem

os protótipos que, depois de aprovados, seguem para as fábricas de

corte e conceção.

Desde 1975 que a Inditex tem aumentado a escala e diminuído a

distância temporal e geográfica de produção e fabrico de roupa. A

coleção outono-inverno 2012 que a partir de maio começa a chegar

às lojas é a aposta de designers que começaram há dois anos a

observar e a tentar antecipar tendências nas pré-visualizações,

em Paris. Entretanto, trabalharam com fabricantes de tecidos e ao

mesmo ritmo dos desenhadores de todas as marcas. Mas enquanto os

concorrentes da Inditex começaram a fabricar as coleções há oito

ou nove meses, a fundadora da Zara fez as primeiras encomendas um mês

antes, no máximo. E foram os "básicos", as peças que

menos mudam de coleção para coleção e que têm garantia de

sucesso nas vendas. A componente moda - que representa 60% a 70% das

coleções da Zara - fica para depois. "Há seis meses não

sabíamos o que íamos apresentar no arranque da temporada. Temos

fábricas a produzir agora o que vamos ter daqui a uma semana, dez

dias, nas lojas. Essa é a nossa principal força. Fomos tornando o

mais próximo possível o período de fabrico e o de chegada às

lojas. Para que isso funcione é necessário ter ferramentas

desenhadas para essa forma de trabalhar. Isso quer dizer que a

proporção de produção em proximidade é muitíssimo mais elevada

do que a média do sector", diz Estradera.

Os fornecedores portugueses, marroquinos e turcos foram uma das

chaves para a concretização do objetivo. A outra foi a proximidade

profissional, que faz que uma encomenda da Inditex tarde, no máximo,

72 horas a chegar ao centro logístico de Arteixo para distribuição.

Chegada às lojas, só tem de ser colocada nas prateleiras e nas

montras, conforme...as fotografias. Em Arteixo, cada marca tem uma

montra e loja-piloto. Os testes são feitos por profissionais

vitrinistas e as imagens enviadas para serem cumpridas à risca. Os

clientes da Zara sabem que as peças de uma loja mudam rapidamente, o

que implica que as compras têm de ser feitas em pouco tempo, sob

pena de as peças desaparecerem. A Inditex entrega novos produtos em

todas as lojas do mundo duas vezes por semana.

O centro logístico de Arteixo, um dos sete que a Inditex tem em

Espanha (incluindo o de Guadalajara, perto de Madrid, ainda por

inaugurar), tem 250 km de carris automáticos que transportam as

peças da produção para a distribuição. 15% da energia da fábrica

é garantida por um moinho eólico instalado na zona industrial de

Sabón, onde a Inditex está a alargar o centro de escritórios mais

70 mil metros quadrados - a juntar aos atuais 90 mil.

De Arteixo saem 3 milhões de peças por semana para as Zara de

todo o mundo (cerca de 10 mil peças por hora); a plataforma funciona

24 horas por dia, em três turnos de trabalho. As chaves de ação

são sempre comerciais: o que preferirá o cliente? O que quer

comprar? Esta lógica é o centro do negócio da Inditex e o

paradigma que Ortega mudou quando, em 1975, abriu a primeira loja, no

centro da Corunha. "A.Z", antes da Zara, o ciclo das lojas

de roupa começava com uma coleção de designers que faziam uma

aposta de futuro por intuição e tentavam adivinhar os tecidos e

modelos que os clientes quereriam comprar. Chegado o momento de

arranque da campanha, esses produtos eram colocados nas lojas à

espera que os clientes decidissem se a aposta dos designers, um ano e

meio antes, acertava ou não nas previsões. A Zara mudou a lógica:

é sempre o cliente que decide e se o produto tem sucesso os

designers alteram as coleções de modo a apostarem na tendência sem

deixar que o best-seller deixe a sensação de que toda a gente anda

igual na rua.

A Inditex nunca usou publicidade porque acredita que as lojas são

a melhor montra e cartão de visita. "Nunca quisemos mostrar aos

clientes o que devem vestir. Queremos que os clientes nos digam como

se querem vestir. Somos uma empresa global que está nos cinco

continentes, mas também sabemos que somos lojistas, o nosso negócio

são lojas. E todos os dias abrimos as portas e os clientes vêm, ou

não. Esses clientes têm de entrar e gostar do que lhes oferecemos.

Isso é algo que temos de fazer hoje, amanhã e depois de amanhã. Há

que manter essa espécie de tensão competitiva."

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