Jordi Canal: "Já perdemos todos, a sociedade está fraturada"

Há dois anos publicou Historia mínima de Barcelona (Ed. Turner) no qual alerta para o perigo de analisar os factos do passado com a visão de hoje. Jordi Canal, professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris (EHESS) acredita que é o que tem acontecido com a história catalã onde se defende um nacionalismo baseado em ideias falsas. O académico fala agora de uma sociedade catalã e espanhola fortemente fraturada que vão precisar de muitos anos para se recompor.
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Até onde temos que retroceder para encontrar a origem do nacionalismo catalão?

Os nacionalistas catalães dizem que a Catalunha é uma nação desde o século X-XI, uma das primeiras da Europa. Mas não é certo porque nessa altura não existia o conceito de nação tal como o percebemos hoje. Era uma nação pessoas que viviam juntas, falavam a mesma língua mas não tinha significado político. Para eles era um jogo, fazia parte da trama, o relato da história catalã está cheio de jogos desse tipo.

E se falamos do independentismo atual?

O independentismo atual aumentou nos últimos 15 anos, quase triplicou. Começou não mais longe do que o início do século XX quando um grupo de advogados, escritores, industriais... decidiu assumir que a Catalunha era a sua nação e Espanha não. Consideraram que Espanha é um Estado e por isso é artificial. Nasce o primeiro nacionalismo com a independência na cabeça. Pensa que merecem um Estado mas não era o momento para pedi-lo. Uma parte do nacionalismo era independentista mas era uma minoria. As coisas começaram a mudar no final do século XX quando o independentismo dentro do nacionalismo passa a ser maioritário e hoje pode representar 45%.

Há uma razão histórica para explicar este aumento do independentismo?

Penso que não se percebe sem as crises que afetam Espanha. O país tem uma crise política e moral. É esse o panorama de fundo em que se devem colocar os resultados da nacionalização catalã desde 1980. Utilizou-se a escola e a televisão para criar catalães conscientes e deu resultado. Assim explicam-se a presença de jovens neste movimento. Foram socializados numa nacionalização profunda. E existe um outro detonante, o Estatut. A rutura produz-se ao mesmo tempo que começa a ser preparado o Estatut em 2003 e depois agrava-se. Pasqual Maragall, quando chega à Generalitat, precisa de ter um gesto nacionalista para mostrar que é digno de ser presidente e escolhe reformar o Estatut. Mas abre uma caixa de Pandora que foge por todo lado. Divide o governo e [José Luis] Zapatero acaba por pactuar com a oposição. Na Catalunha conseguem fazer acreditar que há uma agressão contra eles e evidentemente forma-se uma bola de neve até o 2010, quando o Tribunal Constitucional diz que há uma parte inconstitucional, muito pequena, no Estatut. Os cinco anos de confronto permanente fazem com que as pessoas saiam à rua.

Foram ditas muitas mentiras na história da Catalunha?

O historiador García Cárcel diz que os catalães estão doentes de passado. Desde o século XIX uma parte da historiografia catalã começa a criar um relato nacional e o nacionalismo apodera-se dele. Baseia-se em três ideias: que a Catalunha é uma nação desde a época medieval, que é um Estado desde a época medieval e que no século XVIII, antes da guerra de Sucessão, era um Estado que estava a avançar para a democracia como a Inglaterra. Penso que as três ideias não são verdade. Os condados que formavam a Catalunha juntam-se ao reino de Aragão que é um território dentro de uma monarquia composta. E nessa altura ninguém pensava na democracia.

Os catalães falam sempre de 1714 como o ano chave da perda dos seus privilégios.

A Guerra de Sucessão é uma guerra dinástica europeia. Havia catalães em ambas as partes. Acabou com o cerco de Barcelona e a sua conquista mas isso não explica que fosse uma guerra contra Catalunha. Houve localidades que apoiaram Filipe V que tinha sido proclamado rei também em Barcelona com a presença das elites catalãs que pedem uma serie de concessões, sobretudo com os interesses da burguesia comercial. Mas em 1704-05 esse mesmo grupo decide apostar no arquiduque Carlos porque pensam que vão ter mais benefícios. Filipe V foi um rei absoluto traído pelos catalães e como tal foi atrás deles.

Também se fala de 1640, quando Portugal recupera a independência e sai do reino de Espanha. Porque não aconteceu o mesmo na Catalunha?

A Catalunha podia ter saído da monarquia e realmente saiu durante 12 anos em que esteve com França e reparou que ainda era pior. Mas é uma experiencia da qual eles não falam, perderam parte do território. Correu mal e isso encaixa mal no relato nacional. O caso de Portugal e da Catalunha era diferente. Portugal estava há pouco tempo na monarquia composta. A Catalunha estava nesse projeto há mais tempo e Portugal tinha um império atrás dele.

Como historiador, como explica o que está a acontecer hoje?

Ao referido crescimento do independentismo devemos somar que uma parte da classe política catalã fez uma aposta clara pelo independentismo, desde Artur Mas (que era Arturo e trocou o nome) que muda de opinião em 2012 porque pensa que a sociedade está a mudar. Agora aconteça o que acontecer, a tarefa de reconstrução do que aconteceu nos últimos 15 anos vai ser muito longa. Já perdemos todos, a sociedade está fraturada, as relações entre a Catalunha e outros territórios estão mal.

O que pode então acontecer?

Eu penso que não vai acontecer a independência mas vamos demorar anos a sarar as feridas. Pode haver presos, repressão... Perdemos como sociedade catalã e espanhola, e isto não se resolve nuns dias.

O que dizer da figura de Carles Puigdemont?

É um independentista de sempre e não precisa exagerar o seu nacionalismo mas é um irresponsável com capacidade política limitada. Por isso está lá, colocaram uma pessoa que podia ser manipulada. Mas não estavam à espera que a pessoa que queriam controlar saísse do controlo e esteja disposta a ir até o fim sendo um mártir.

Madrid

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