Parlamento britânico volta a rejeitar eleições antecipadas
Boris Johnson voltou esta segunda-feira à noite a pedir aos deputados que apoiem uma moção para convocar eleições antecipadas. Mas, mais uma vez, não foi bem-sucedido. 293 deputados votaram a favor e 46 contra. Porém, o primeiro-ministro conservador precisava do apoio de pelo menos 434 deputados, ou seja, dois terços do Parlamento.
O primeiro-ministro começou por enaltecer o papel de John Bercow, que esta tarde anunciou a sua intenção de deixar o cargo de speaker da câmara dos Comuns, o mais tardar a 31 de outubro. O líder conservador desafiou em seguida o líder do Labour, Jeremy Corbyn, dizendo que, uma vez aprovada a sua "lei de rendição" ele não tem razões para, desta vez, não apoiar legislativas antecipadas.
Corbyn, cujo partido se absteve na semana passada a outra moção de Boris sobre eleições antecipadas, chegou a indicar que, depois de publicada a lei para travar um No Deal Brexit, poderia apoiar uma moção no sentido de adiantar o escrutínio. Porém, para novembro. Não para 15 de outubro, como deseja o chefe do governo do Reino Unido. Na intervenção, Boris sublinhou o dinheiro que custa ao país permanecer na UE - 1 milhão de libras por mês - e acusou o Labour de estar a manobrar para tentar reverter o resultado do referendo de 23 de junho de 2016.
"Nós sabemos a verdadeira razão pela qual o Labour não quer eleições antecipadas enquanto Corbyn for o seu líder, porque temem que o partido perca as eleições. Há uma pequena minoria de deputados trabalhistas que está aterrorizada pelo facto de ele poder, de facto, ganhar", prosseguiu Boris Johnson, entre gritos, interrupções, chamamentos à Ordem! por parte do speaker John Bercow.
O chefe do governo acusou Corbyn de não sabe o que quer, umas vezes defende um segundo referendo, outras um Brexit com acordo, outras eleições antecipadas. E desferiu também ataques contra os liberais-democratas, liderados por Jo Swinson, pelo facto de agora defenderem o cancelamento do Brexit. "É um modelo de coerência que pode ter comparação com o do líder da oposição", declarou o líder conservador, sublinhando, entre os gritos dos presentes: "Não pedirei qualquer novo adiamento do Brexit".
Chamado a intervir, Corbyn respondeu: "A única coisa que tiro do discurso do primeiro-ministro é que ele não pretende cumprir a lei que foi aprovada nesta câmara. E também nada disse sobre as moções que foram aprovadas hoje, no sentido de divulgar documentos da chamada Operação YellowHammer. Enquanto um No Deal Brexit não estiver totalmente fora da mesa como opção eu não apoiarei a dissolução desta câmara e a convocação de eleições antecipadas. Não arrisco isso". Se Boris Johnson foi interrompido várias vezes por gritos, o mesmo aconteceu com Corbyn.
Na réplica, o primeiro-ministro perguntou ao líder da oposição: "Se quer tanto evitar um No Deal, porque não vai a eleições, consegue um mandato e vai o senhor a Bruxelas pedir um novo adiamento". Pressionado pela gritaria, Corbyn mostrou-se irritado, enquanto, à sua frente, Boris sorria. "O primeiro-ministro fala em No Deal Brexit para uma ala do seu partido, ao mesmo tempo em que fala de conseguir um acordo do Brexit para uma outra ala do seu partido", acusou o líder dos trabalhistas, sublinhando que Boris Johnson "vai suspender este Parlamento, vai suspender a democracia".
Ian Blackford, líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês, indicou que apoia eleições antecipadas, mas não nos termos do primeiro-ministro. Blackford voltou a insistir na ideia de que a Escócia quer ser - e será - independente. Jo Swinson, líder dos liberais-democratas, acusou o governo de estar a tentar esconder os efeitos e o real impacto de um No Deal Brexit no Reino Unido e Boris Johnson de ser arrogante por achar que é capaz de obter um novo acordo sobre o Bexit - quando Theresa May não conseguiu em três anos - ao mesmo tempo em que faz campanha para eleições antecipadas. Swinson foi clara: "Os liberais-democratas são contra o Brexit e pela permanência na UE".
Antes de Boris Johnson regressar esta noite ao Parlamento britânico para apresentar a sua moção em defesa de eleições antecipadas no Reino Unido, o speaker da câmara dos Comuns, John Bercow, aceitou duas moções de emergência e o debate e votação das mesmas.
Uma, apresentada por Dominic Grieve, um deputado dos conservadores rebeldes, diz respeito a obrigar o governo de Boris Johnson a apresentar os documentos privados da Yellowhammer Operation (Operação Martelo Amarelo), relativos à suspensão da câmara dos Comuns, aos cálculos e preparativos feitos sobre o No Deal Brexit etc...
Apesar da moção, que foi aprovada por 311 votos a favor e 302 contra, o N.º 10 de Downing Street fez saber inicialmente que não tencionava divulgar esses documentos nem qualquer correspondência privada. O procurador-geral britânico, Geoffrey Cox, citado pelo Guardian, deu a entender que o governo pode não ser obrigado a divulgar nada, se o que estiver em causa forem e-mails e correspondência privada de funcionários públicos.
Durante o debate, o ministro Michael Gove considerou que esta moção não tem precedentes, por violar o direito à privacidade e a lei de proteção de dados. O governante lembrou que os documentos relativos à suspensão do Parlamento já são do domínio público, tendo sido divulgados pelo tribunal. E indicou que o governo prevê divulgar uma versão dos seus planos sobre o No Deal, avisando, desde logo, que não se trata de planos de preparação para o pior dos cenários.
O texto da moção submetida por Dominic Grieve vai ao ponto de especificar as pessoas de quem são requeridas as comunicações privadas, com os nomes discriminados, especificando que essas comunicações devem ser divulgadas no prazo de até quarta-feira às 23.00. Incluídas estão mensagens escritas, eletrónicas ou não, enviadas através de Apps como WhatsApp, Telagram, Signal, Messenger do Facebook, e-mails encriptados ou não, mensagens de telemóvel ou mensagens enviadas através de iMessage, quer de telefones pessoais ou profissionais.
Segundo Laura Kuenssber, da BBC, o governo de Boris Johnson, que está a avaliar as implicações da moção aprovada pelos deputados, deverá divulgar os primeiros documentos já esta terça-feira.
A outra moção de emergência aceite por Bercow foi apresentada pelo líder do Labour Jeremy Corbyn, no sentido de garantir que o governo é obrigado a cumprir a lei. Nomeadamente a lei que foi aprovada no sentido de impedir um No Deal Brexit. O dirigente trabalhista indicou que vários deputados estão preocupados com indicações vindas do N.º 10 no sentido de que o chefe do governo poderá não cumprir essa lei.
Confrontado por um dos deputados sobre a possibilidade de um dos 27 Estados membros da UE poder vetar uma nova extensão do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa - algo que a França já ameaçou fazer, Corbyn replicou: "Isso é uma questão hipotética". Outra deputada insistiu: "Se não houver qualquer extensão o que sugere o senhor fazer?". Mais uma vez, o líder do Labour evitou uma resposta concreta, desviando as declarações para acusações de conluio entre Boris Johnson e Donald Trump sobre um futuro acordo comercial Reino Unido-EUA?
Durante a sua intervenção, a líder dos liberais-democratas, Jo Swinson, sugeriu que, se com o aproximar do dia 31 de outubro, se tornar claro que não haverá um novo acordo aprovado, nem uma nova extensão do Artigo 50.º, então o Reino Unido deve revogar a ativação do Artigo 50.º. Dessa forma, o Brexit seria cancelado.
"É incrível que este Parlamento tenha que estar a debater se o primeiro-ministro vai cumprir uma lei que foi aprovada por este mesmo Parlamento", prosseguiu Corbyn, ainda antes da votação.
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, garantiu, durante o debate "que este governo irá respeitar sempre o Estado de direito. Essa sempre foi a nossa posição e é um ultraje que isso esteja a ser posto em causa".
A moção submetida por Corbyn foi aprovada por aclamação, sem necessidade de ir a votos. Seguiu-se ainda um debate sobre várias moções dedicadas à situação na Irlanda do Norte. E à manutenção e restauro de edifícios. E só depois a moção de Boris. Seguir-se-á a suspensão do Parlamento britânico por cinco semanas, conforme foi ordenado pela Rainha Isabel II, a pedido do primeiro-ministro e líder do Partido Conservador. Downing Street voltou a confirmar que tal suspensão acontecerá esta segunda-feira.