Biedrón - o gay polaco que vai dar cartas no Parlamento Europeu

O Wiosna (Primavera), de Robert Biedrón, obteve 6,6% dos votos numas europeias que viram o PiS vencer com 42,4%.
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Nasceu no sudeste da Polónia há 43 anos, na conservadora Rymanów, não muito longe da fronteira com a Eslováquia. Estudou Ciência Política e envolveu-se cedo na política, tendo passado pelos sociais-democratas do SdRP, partido fundado logo em 1990 por Aleksander Kwaśniewski, que viria a ser presidente da República entre 1995 e 2005, e mais tarde no SLD, os democratas de esquerda que foram governando a Polónia em coligação na década de 1990, e pelos quais concorre pela primeira vez ao Parlamento em 2005, sem sucesso. Assumidamente ateu e gay, Robert Biedroń é uma impossibilidade política na conservadora Polónia, mas soube derrotar esse fatalismo. Já filiado no Your Movement, partido fundado por antigos membros da Plataforma Cívica, no poder entre 2007 e 2015, Biedroń é eleito pela primeira vez deputado nas eleições de 2011, mandato que exerce por três anos, e no qual é alvo de várias agressões pelas posições progressistas que assume.

Em 2014, candidata-se à presidência da Câmara de Slupsk, cidade do báltico com 90 mil habitantes, e vence à segunda volta com 57%. Depois de ter sido o primeiro homossexual assumido a chegar ao Parlamento, Biedroń continuou a quebrar preconceitos agora no poder autárquico.

Como o próprio referiu à BBC, "se antes me agrediam na rua, agora dizem-me bom dia, senhor mayor". A coragem do seu percurso fez dele uma celebridade política. A sua agenda pela igualdade, pela tolerância e respeito pelas opções individuais passou a barreira da legitimidade eleitoral e expôs um vasto segmento da sociedade polaca menos conservador do que se imaginaria.

Como autarca, reduziu a dívida do município, investiu em escolas, na cultura e em políticas ambientais, consolidando nacionalmente um eleitorado jovem, urbano, de profissões liberais, nascido já depois da queda do Muro de Berlim e perfeitamente integrado na União Europeia. Hoje, candidato pelo Wiosna (Primavera), o partido de centro-esquerda que fundou em setembro de 2018 e que o levou a sair da Câmara de Slupsk para se dedicar às europeias, Biedroń é um fenómeno político que mereceria mais atenção neste lado da Europa, tão desatenta aos bons exemplos e excessivamente enredada nos decadentes clichés fatalistas.

Ao contrário de outros Estados membros, a Europa é mesmo central na campanha eleitoral polaca e sondagens recentes davam o pró-europeísmo na Polónia num pico de entusiasmo a rondar os 80%. Os conservadores do PiS venceram as eleições europeias com 42,4% dos votos, segundo uma projeção à boca das urnas da Ipsos. Em 2014 o partido de Jaroslaw Kaczynski tinha tido 31,78%. Em segundo lugar surge a coligação Koalicja Europejska (Coligação Europeia), com 39,1%. Esta inclui, entre outros partidos, o Plataforma Cívica. Esta é a formação do ex-primeiro-ministro polaco e atual presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. O Wiosna (Primavera), de Robert Biedrón, obteve 6,6%. Em quarto lugar nas europeias ficou o Konfederacja, partido anti-imigração e anti-União Europeia, com 6,1%.

Depois de 1989, talvez seja esta a fase na história recente da Polónia em que pela primeira vez as ideias cosmopolitas conseguem percorrer um caminho de sucesso político, motivando vários eleitorados a derrotar a receita nacionalista, impregnada de atropelos ao Estado de direito, liberdade de imprensa, violações à separação de poderes e de incitação paranoica ao ódio. Nunca é demais esquecer que foi este o contexto em que foi brutalmente assassinado, em janeiro deste ano, o presidente da câmara da cidade de Gdansk, Pawel Adamowicz, figura carismática da defesa das minorias e de uma agenda liberal nos costumes.

Robert Biedroń não precisa de vencer as eleições europeias ou sequer estar no leque dos presidenciáveis às eleições de 2020 para já ter ocupado um lugar central na política polaca, posição tão merecida como desconhecida nesta Europa cristalizada em impossibilidades. É preciso dar voz a quem está do lado certo da história.

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