"Continua a valer a máxima da campanha de Bill Clinton em 1992, The economy, stupid!"

Política externa costuma contar pouco na hora de os americanos decidirem quem é o presidente, afirma Luís Nuno Rodrigues, doutorado em História Americana pela Universidade do Wisconsin-Madison e professor no ISCTE-IUL.
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No mais recente debate televisivo entre os candidatos à nomeação republicana, Donald Trump atacou Jeb Bush por causa das guerras do irmão, mas no dia seguinte os jornais americanos falavam era da escolha do próximo juiz do Supremo Tribunal. Significa isto que a política externa conta pouco na campanha presidencial nos Estados Unidos?

Certamente que conta menos do que a política interna, isto é, menos do que os problemas e desafios sociais e económicos com que a sociedade norte-americana se depara. Não quero com isto dizer que questões de política externa não tenham sido determinantes nalguns atos eleitorais, em momentos específicos da história, como as Guerras Mundiais do século XX ou a Guerra Fria. Também é verdade que temas como o Estado Islâmico e a imigração têm surgido nos debates e nas entrevistas destas primárias. Mas julgo que continua a valer a máxima da campanha de Bill Clinton em 1992, "The economy, stupid!", que aponta para a importância dos assuntos internos.

Em termos de experiência em política externa, Hillary Clinton é um colosso perante qualquer rival, seja o também democrata Bernie Sanders ou a meia dúzia de candidatos republicanos. Mas, como se viu em 1992, quando George Bush pai perdeu as eleições para Bill Clinton, mesmo sendo o vencedor da Guerra Fria e da Guerra do Golfo, isso nada garante, não é?

Bom, se partirmos do princípio de que a política externa não é um fator decisivo nas escolhas dos norte-americanos, isso, de facto, nada garante. Mas a experiência de Hillary não é apenas em termos de política externa. Essa até é, porventura, uma dimensão recente da sua carreira política. Recordo que enquanto primeira-dama teve um papel determinante na promoção de várias das iniciativas legislativas em áreas sociais e depois, no Senado, serviu em comissões importantes, como a do orçamento, a das forças armadas, a de saúde, trabalho e pensões. Depois, claro, o facto de ser secretária de Estado deu-lhe o necessário traquejo em termos internacionais.

O que se sabe do pensamento de Trump no que respeita a diplomacia, fora as tiradas contra os mexicanos, o discurso islamofóbico e uma relativa compreensão com a Coreia do Norte?

Pouco ou nada. Trump não é um candidato que tenha até agora primado pela apresentação de um programa sistemático e coerente em termos de política externa. Há algumas semanas, o jornal The New York Times sintetizava o seu pensamento ou, pelo menos, como diz, algumas das suas "tiradas": destruir à bomba o Estado Islâmico, construir uma muralha na fronteira com o México, não admitir refugiados sírios, expulsar imigrantes sem documentos. Mas, enfim, estamos ainda em ambiente de primárias, em que a preocupação maior é chamar a atenção.

Costuma haver muitas mudanças na política externa consoante a Casa Branca conta com um democrata ou um republicano?

Isso depende da conjuntura histórica, mas eu diria que, por norma, não. Houve longos períodos da história norte-americana em que vigorou um forte consenso em termos da política externa, nomeadamente durante a Guerra Fria. Apesar de algumas pequenas cambiantes, o que diferenciou verdadeiramente a política de Harry Truman e a de Dwight Eisenhower? Se olharmos, por exemplo, para a Guerra do Vietname, encontramos os presidentes Lyndon Johnson, democrata, e Richard Nixon, republicano, como atores principais.

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O maior legado de Barack Obama vai ser em termos de relações internacionais, com a normalização das relações com Cuba dos irmãos Castro e o acordo nuclear com o Irão?

Se nos centrarmos no plano da política externa, o mandato de Obama é caracterizado por um certo retraimento estratégico dos Estados Unidos e por uma postura mais dialogante, da qual efetivamente Cuba e o Irão são os exemplos mais recentes. Obama também normalizou as relações com a Europa, pôs fim à guerra no Iraque, iniciou a retirada do Afeganistão, capturou Bin Laden. Para quem observa a política americana a partir de fora como nós, europeus, a tendência é sempre para enfatizar a dimensão externa. Mas a nível interno, apesar de todas as dificuldades em governar com uma maioria republicana no Congresso, Obama liderou a recuperação da economia e promoveu importantes reformas no domínio social.

Do ponto de vista da Europa, é previsível que o próximo presidente, seja quem for, olhe mais para o Pacífico do que para o Atlântico?

Essa é a tendência. As alterações do sistema internacional nos primeiros anos do século XXI, com o surgimento das novas potências emergentes, levou a que a Ásia assumisse aos olhos dos governantes norte-americanos um papel cada vez mais importante. Isso justifica-se por vários motivos, desde os mais imediatos, que se prendem com a procura de mercados e oportunidades económicas, às preocupações com a gradual ascensão da China. No entanto, a Europa continuará sempre a desempenhar um papel fulcral para os norte-americanos e é de crer que os laços transatlânticos se mantenham, tendo em conta as evoluções recentes no Leste da Europa e no Médio Oriente.

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Estudou e lecionou vários anos nos Estados Unidos. Doutorou-se no Wisconsin e ensinou em Rhode Island. Testemunhou algumas primárias? Percebeu o que move os americanos nestas eleições prévias às eleições definitivas de novembro?

As eleições primárias que pude observar com mais atenção foram as de 2008, quando estava na Brown University, especialmente as do Partido Democrático, nas quais se enfrentavam Barack Obama e Hillary Clinton. As primárias são um fenómeno ímpar no funcionamento do sistema eleitoral americano. São, por assim dizer, o grau mais elementar, mais puro da democracia, no sentido da real proximidade que existe entre os eleitores, os candidatos, os temas em debate, as assembleias de voto, os chamados caucuses. Nesse ano, a capacidade de mobilização por parte da campanha de Barack Obama foi notável e isso sentia-se nas ruas, nos cafés, até nas aulas na universidade: por um lado, uma campanha quase porta à porta, procurando motivar e mobilizar apoiantes e convencer indecisos; por outro, recorrendo de forma muito inovadora à internet, às redes sociais, às novas tecnologias.

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