Braço de ferro entre Obama e Trump em época de transição

Putin decide congelar retaliação à expulsão dos diplomatas russos e prefere esperar para ver com que olhos o novo presidente norte-americano irá encarar as relações com a Rússia

Faltava pouco mais de um mês para Bush pai entregar as chaves da Casa Branca a Bill Clinton. Apesar da proximidade da passagem do testemunho - marcada para 20 de janeiro de 1993 -, a 4 de dezembro de 1992 o presidente cessante decidiu enviar 28 mil soldados para a Somália, país afundado numa guerra civil. A operação tinha como principal objetivo garantir à população o acesso à ajuda humanitária.

Na política americana, o termo lame duck, que se pode traduzir por "pato manco", é normalmente aplicado aos presidentes cessantes a partir do momento em que o sucessor já foi eleito. Tradicionalmente os últimos dias de mandato são gastos a tratar da passagem de testemunho, sem dores de cabeça de maior. Mas a história tem garantido algumas exceções. A transição de Barack Obama para Donald Trump é um desses momentos. Um e outro têm vindo a tomar iniciativas que podem ser vistas quase como um braço-de-ferro político.

A menos de um mês de abandonar a Casa Branca, o atual inquilino não hesitou em esticar a corda das relações com a Rússia. O presidente dos EUA decidiu expulsar 35 diplomatas russos por alegada interferência nas eleições americanas de novembro. "Uma necessária e apropriada resposta aos esforços feitos para prejudicar os interesses dos EUA em violação das normas internacionais", explicou Obama.

Moscovo não gostou e Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros, recomendou a Vladimir Putin que trocasse olho por olho e dente por dente e expulsasse 35 diplomatas norte-americanos. "Fizemos a proposta de declarar personae non gratae 31 diplomatas da embaixada dos Estados Unidos em Moscovo e quatro do consulado norte-americano em São Petersburgo", afirmou ontem o responsável pela diplomacia russa numa intervenção televisiva, explicando que a "reciprocidade é uma regra das relações internacionais". Ainda assim, o presidente russo decidiu congelar a retaliação e esperar para ver qual será a postura de Donald Trump, que toma posse a 20 de janeiro. Com o magnata nova-iorquino ao leme da nação é possível que os EUA se tornem um país diferente e passem a olhar para Moscovo com outros olhos.

O atual período de transição fica também marcado por Israel. Neste mês o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução a pedir o fim da expansão dos colonatos judaicos na Cisjordânia. Por decisão de Obama, os EUA optaram por uma abstenção histórica, que foi recebida na ONU por um sonoro aplauso. A jogada diplomática ganha ainda maior relevância tendo em conta que Trump escolheu David Friedman como embaixador para Israel, conhecido por defender e apoiar a política de colonatos.

Trump chegou mesmo a fazer pressão junto do presidente Abdel Fattah al-Sisi para que o Egito não avançasse com a proposta junto do Conselho de Segurança. Os esforços surtiram efeito e o Egito recuou na apresentação do texto, que acabou por avançar com o carimbo da Nova Zelândia, Venezuela e Senegal.

Segundo o site de informação Politico, na próxima quarta-feira haverá mais um capítulo na telenovela da transição. O presidente cessante irá tentar salvar o Obamacare. Obama irá encontrar-se no Capitólio com congressistas democratas para tentar perceber de que forma será possível blindar a reforma de saúde de eventuais tentativas republicanas para a destruir.

Em matéria ambiental Obama já fez uma jogada semelhante, ao anunciar, a 20 de dezembro, a proibição de novas perfurações para exploração de gás e petróleo na maior parte das águas do Ártico e do Atlântico que pertencem aos EUA.

Trump também tem sido um presidente-eleito pouco convencional, ao aceitar, por exemplo, falar por telefone com Tsai Ing-wen, a líder de Taiwan. Este foi o primeiro contacto a este nível desde que Washington rompeu as relações diplomáticas com Taipé, em 1979, depois de os EUA reconhecerem a República Popular da China em vez dos nacionalistas que estavam refugiados em Taiwan.

Jimmy Carter terá sido talvez o presidente com os derradeiros momentos mais quentes. Segundo o que Jody Powell, o assessor de imprensa de Carter, viria a revelar mais tarde, as últimas 48 horas foram passadas dentro da Sala Oval praticamente sem pregar olho. Em cima da mesa estava a crise dos reféns na embaixada norte-americana em Teerão, a capital iraniana. Eram 52 os diplomatas que estavam presos há mais de 400 dias. Foram libertados a 20 de janeiro de 1981, precisamente no dia em que Ronald Reagan entrou na Casa Branca.

Os últimos dias de Dwight Eisenhower como presidente também foram agitados ao nível diplomático. Na sequência de uma rápida deterioração nas relações com Cuba, a 3 de janeiro de 1961 os EUA deixaram oficialmente de reconhecer o governo de Fidel Castro e fecharam a embaixada norte-americana em Havana. No dia 20, pouco mais de duas semanas depois, John F. Kennedy entrava na Casa Branca como 35.º presidente dos Estados Unidos.

O final dos mandatos é tradicionalmente marcado pela concessão de indultos. Entre os atos de clemência mais polémicos figuram os que Bill Clinton decidiu atribuir. Prestes a deixar a presidência, concedeu 140 perdões a 20 de janeiro de 2001, precisamente o dia da inauguração de George W. Bush. Alguns dos nomes levantaram muita polémica. "Um perdão indefensável", escreveu o The New York Times num editorial sobre o indulto concedido a Marc Rich. O empresário e gestor estava fugido do país depois de ter sido acusado por 51 crimes de evasão fiscal.

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