Ultimato israelita faz palestinianos temer uma "segunda Nakba"

A palavra árabe significa "catástrofe" e é usada para designar o êxodo palestiniano após a criação do Estado de Israel, em 1948. Hamas pediu aos palestinianos para não saírem das suas casas.
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Uma semana depois do ataque surpresa do Hamas contra Israel, terminam as supostas 24 horas do ultimato dado pelas autoridades israelitas a 1,1 milhões de palestinianos para deixarem a Cidade de Gaza e irem para sul do território. O grupo terrorista, cuja incursão na semana passada deixou mais de 1300 mortos e três mil feridos em Israel, pediu aos palestinianos para que não deixem as suas casas, mas não bloqueou as saídas de milhares de pessoas. Esta sexta-feira, realizou-se um "Dia de Raiva", com protestos pró-palestinianos, mas também atos violentos.

O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, falou de uma "segunda Nakba", uma palavra que em árabe significa "catástrofe" e que é usada para referir a saída em massa dos palestinianos das suas casas durante a criação do Estado de Israel, em 1948. Nesse ano, mais de 760 mil palestinianos fugiram ou foram forçados a deixar as suas terras, com a criação de campos de refugiados na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, mas também no Líbano, Jordânia ou Síria.

O ultimato de 24 horas não foi revelado pelas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), mas por parte das Nações Unidas, que foram alertadas na noite de quinta-feira para a necessidade de retirar de Gaza. Os israelitas não confirmaram o prazo. Muitos palestinianos questionavam "para onde vamos?", sabendo que não existe forma de sair do território de 362 quilómetros quadrados, já que a única fronteira com o Egito está também fechada.

As IDF enviaram mensagens, em árabe, a pedir aos civis para saírem das suas casas em direção a sul, para lá do rio (Wadi Gaza) "para sua própria segurança e proteção" e não em direção à vedação de segurança na fronteira com Israel. Segundo as contas da ONU, ainda antes do ultimato, já 423 mil pessoas tinham fugido de casa.

"Os terroristas do Hamas estão escondidos na Cidade de Gaza em túneis sob as casas e dentro de edifícios habitados por civis inocentes", dizia a mensagem das IDF. "Distanciem-se dos terroristas do Hamas que vos estão a usar como escudos humanos", acrescentava, sem dar um prazo para o fim da evacuação da cidade. "Nos próximos dias, as IDF vão continuar a operar de forma significativa na Cidade de Gaza e a fazer esforços alargados para evitar fazer mal aos civis", concluía. Mais tarde, um porta-voz recusou confirmar o prazo, admitindo que a evacuação de Gaza podia "levar tempo".

A ONU considerou "impossível" a retirada em tão pouco tempo "sem consequências humanitárias devastadoras". O porta-voz Stéphane Dujarric apelou, em declarações à AFP, para que a ordem de evacuação fosse "retirada, de forma a evitar que o que já é uma tragédia se transforme numa situação calamitosa". O chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, considerou "irrealista" dar apenas 24 horas para a retirada de mais de um milhão de civis, numa altura em que Gaza está bloqueada, sem acesso a eletricidade, água ou combustível.

Já a Turquia disse ser "inaceitável" o ultimato, denunciando "uma flagrante violação das leis internacionais" e dizendo que é "inumano". Os EUA falaram de um "desafio difícil", considerando contudo que Israel está a dar um "aviso justo" aos civis para saírem. O presidente russo, Vladimir Putin, comparou as ações israelitas em Gaza ao "cerco de Leninegrado durante a II Guerra Mundial" pelos nazis, alertando ainda para o facto de uma ofensiva terrestre resultar num nível de mortes civis "totalmente inaceitável". Desde a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022 já morreram, pelo menos, 9600 civis ucranianos.

A expectativa é que a qualquer momento as forças israelitas vão entrar em Gaza, mas as IDF revelaram que já têm feito incursões no território, não só para neutralizar terroristas ao longo da fronteira, como também para tentar localizar os reféns levados pelo Hamas há uma semana. Ainda não é claro o número dos que foram capturados, suspeitando-se de que serão pelo menos 150. O grupo terrorista palestiniano revelou que 13 reféns já morreram nos ataques aéreos israelitas contra Gaza, não havendo forma de o provar.

"Nunca vamos esquecer ou perdoar os atos horríveis dos nossos inimigos", disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, num raro discurso na véspera do Shabbat, prometendo que os ataques aéreos a Gaza, que já fizeram quase 1800 mortos e 6400 feridos, "são apenas o início". E concluiu: "Vamos aniquilar o Hamas e trazer a vitória. Vai levar tempo, mas vamos acabar esta guerra mais fortes do que nunca", concluiu.

As atenções estão focadas em Gaza, mas na Cisjordânia já morreram pelo menos 46 palestinianos em situações de violência ligadas ao conflito entre o Hamas e Israel. Esta sexta-feira, pelo menos 11 palestinianos foram mortos por fogo israelita quando participavam em protestos de solidariedade para com Gaza, durante o "Dia de Raiva" convocado pelo Hamas. No total, 133 pessoas ficaram feridas em várias localidades da Cisjordânia.

Israel reforçou também a sua fronteira com o Líbano, receando eventuais ataques do Hezbollah - que já disse estar "preparado" para ações contra os israelitas quando a altura chegar. Tem havido algumas trocas de tiros na região, com Israel a bombardear o sul do Líbano próximo da fronteira. Esta sexta-feira, pelo menos um jornalista da Reuters morreu num desses ataques, com outros seis a ficarem feridos, entre eles dois da Al-Jazeera.

susana.f.salvador@dn.pt

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