"Não estamos aqui para sermos reféns dos golpistas. Os golpistas são os aliados da desordem", desabafou um contrariado Emmanuel Macron ao anunciar na TV a saída da representação diplomática do Níger, bem como das forças militares presentes em duas bases. O fim da operação Barkhane, em novembro de 2022, e os golpes militares em vários países africanos aceleraram a retirada francesa, ao mesmo tempo que a presença jihadista se mantém no Sahel e a Rússia, através do grupo paramilitar Wagner, estende os seus tentáculos - apesar de outros atores como os EUA e a China também terem uma palavra.."Estou muito preocupado com esta região", afirmou o presidente francês enquanto indicava que ataques dos grupos islamistas estavam a causar "dezenas de mortes todos os dias no Mali" após o golpe de Estado e que agora esses ataques tinham recomeçado no Níger. "A França, por vezes sozinha, assumiu todas as suas responsabilidades e estou orgulhoso dos nossos militares. Mas não somos responsáveis pela vida política destes países e assumimos todas as consequências", disse ainda..Para Macron é uma clara derrota política. No início deste ano tinha anunciado uma nova política de cooperação militar em África, mas o projeto de reinventar a presença francesa no Sahel parece comprometida depois de três países exigirem a saída das tropas francesas..Já o investigador Fahiraman Rodrigue Kone, do Instituto de Estudos de Segurança (ISS), considerou à AFP que "a França não soube retirar-se no momento certo e quis continuar a desempenhar o papel de líder num contexto em que o ambiente sociológico mudou fortemente". Também à agência francesa, uma fonte diplomática que pediu para não ser identificada, disse que Paris estava a colher as consequências de uma "hipermilitarização da relação com África", numa altura em que as crises mais prementes no continente eram de segurança, pobreza e ambiente. "O Mali foi um grande golpe, sabíamos que estávamos perante uma tendência importante. Há anos que vemos esta onda a aumentar. A França sentiu que estava a perder a sua posição, mas permaneceu em negação e atordoada", disse..A vida política de muitos países africanos tem sido marcada pela instabilidade e nos últimos anos houve um ressurgimento nos golpes de Estado - Mali em agosto de 2020; Chade em abril de 2021; Guiné-Conacri em setembro de 2021; Sudão em outubro de 2021; Burquina Faso em janeiro de 2022; Níger em julho; e Gabão em agosto - além de tentativas falhadas, casos da Guiné-Bissau e Gâmbia, ambas no ano passado. Os fatores internos e externos que levaram ao fim abrupto da ordem existente são diversos, mas no geral a tendência é a de que o antigo colonizador está a cortar as relações com o ex-colonizado enquanto outros querem preencher o vazio..A Rússia, através dos mercenários da empresa militar privada Wagner, é o país que se apresenta como o mais forte candidato. Presente pelo menos na República Centro-Africana, Mali, Sudão, Líbia, Moçambique e Madagáscar (segundo o think tank GIS), os especialistas não veem até agora a mão russa em Uagadugu nem em Niamei. Aliás, em junho , o norte-americano Africa Center for Strategic Studies identificou 23 países em que Moscovo utilizou pelo menos um instrumento para minar a democracia. No entanto, o Níger não fazia parte do lote liderado pelo Mali, República Centro-Africana (RCA), Sudão e Zimbabué, os países mais influenciados pela Rússia..De acordo com este grupo de reflexão, além dos canais oficiais (por exemplo, o bloqueio das resoluções da ONU a condenar as violações dos direitos humanos dos regimes africanos ou as alegações de fraudes eleitorais), o regime russo aplica uma ou mais destas ferramentas: campanhas de desinformação dirigidas aos defensores da democracia, interferência em eleições, destacamento de forças paramilitares e negócios ilícitos de comércio de armas em troca de recursos naturais..Com a saída das forças francesas do Mali, da RCA e do Burquina Faso, sobra o Chade, onde Paris mantém uma base aérea e um quartel-general de contraterrorismo em Jamena. Mas também aqui a presença dos mil militares franceses foi alvo de manifestações. Até agora o novo líder, Mahamat Idriss Déby, filho do anterior, Idriss Déby, não deu sinais de querer quebrar a aliança com França. Fora do Sahel, há tropas francesas no Djibuti, no Senegal, na Costa do Marfim e no Gabão, o mais recente dos países com uma transferência de poder não programada.."Por enquanto, não há nenhum lugar onde haja riscos específicos. Contudo, é certo que a legitimidade da presença militar francesa em África é atualmente quase nula", comentou Thierry Vircoulon, investigador do Ifri, à RFI. Este especialista acredita que se siga o anúncio de um movimento mais vasto de redução, ou mesmo de encerramento, das bases militares francesas em África..Golpe de Estado.No dia 26 de julho, militares derrubam o presidente Mohamed Bazoum, eleito em 2021. A comunidade internacional condena o golpe e apela à libertação de Bazoum, um parceiro da França e dos EUA na luta contra os jihadistas que assolam a região semidesértica do Sahel. Uma semana depois, o general Abdourahamane Tiani, chefe da Guarda Presidencial, assume a chefia do país, tendo alegado como justificação da tomada do poder a "deterioração da situação de segurança" causada por oito anos de ataques jihadistas..Ameaça de intervenção.A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), presidida pela Nigéria, dá aos líderes do golpe uma semana para reintegrar Bazoum ou enfrentar uma possível intervenção militar..Os militares nigerinos prometem responder a qualquer intervenção, acusando a CEDEAO de estar a cumprir as ordens da França. Mais tarde, os militares do Mali e do Burquina Faso afirmam que uma intervenção do bloco seria uma declaração de guerra aos seus países..O 'nim' da CEDEAO .Em 10 de agosto, os dirigentes da CEDEAO anunciam o envio de uma "força de reserva" para "restabelecer a ordem constitucional" no Níger, mas não há uma data para a intervenção e o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, diz ter esperança numa solução pacífica. Três dias depois, os líderes do golpe de Estado afirmam que vão processar o deposto Bazoum por "alta traição"..Retirada francesa.O presidente francês Emmanuel Macron anuncia, no dia 24, que a França vai retirar o seu embaixador e outros diplomatas nas próximas horas e trazer as suas tropas - cerca de 1500 militares - para casa até ao final do ano, depois de já ter retirado os seus civis no início de agosto. O Eliseu cede às pretensões dos golpistas e à pressão nas ruas de Niamei, onde repetidas manifestações transmitem um ressentimento antifrancês enquanto são agitadas bandeiras do país, mas também da Rússia e do Grupo de Mercenários Wagner..cesar.avo@dn.pt