Marcelo Arruda, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), em Foz de Iguaçu, celebrava o 50.º aniversário com família e amigos numa festa com alusões ao candidato presidencial Lula da Silva, quando Jorge Guaranho, um adepto do presidente Jair Bolsonaro que passava nas imediações, invadiu a comemoração e matou o aniversariante com uma arma de fogo. O crime, a 9 de julho, por ter sido filmado por câmaras de segurança ainda é o mais emblemático caso de violência das eleições de 2022. Mas houve muitos outros..Um levantamento feito pela UniRio indica que os casos de violência política cresceram 335% no Brasil nos últimos três anos. No primeiro semestre de 2022 foram identificados 214 episódios, contra 47 casos no mesmo período de 2019, ano em que o estudo, que contabiliza ameaças, atentados, homicídios, homicídios de familiares, sequestros e sequestros de familiares de lideranças políticas, começou..Filipe Borba, o investigador responsável, falou ao DN sobre o clima de violência eleitoral no Brasil. "A maior parte da violência política no país ainda é local, de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, a estadual e a nacional aumentou muito em 2022, mas é menos letal, é mais à base de ameaças".."Mas o que chama mais a atenção em 2022 é que a violência entrou definitivamente no tecido social", remata..Além do caso de Foz de Iguaçu, uma discussão entre um eleitor de Bolsonaro e um apoiante de Lula terminou com a morte do segundo, em Confresa, localidade rural de 32 mil habitantes a 1200 km de Cuiabá, a capital de Mato Grosso. Depois do crime, com golpes de faca, Rafael Oliveira, 24 anos, ainda filmou o corpo de Bendito dos Santos, 44, e tentou decapitá-lo. "Saí fora de mim", disse..No dia 7, uma bomba caseira explodiu durante um comício de Lula, no Rio de Janeiro. O dispositivo foi lançado por um homem imediatamente conduzido à esquadra. E dias antes um drone num comício de Lula em Uberlândia, Minas Gerais, despejou fezes, urina e veneno contra moscas sobre os manifestantes. O responsável, um latifundiário de 38 anos, foi preso..Na Universidade Estadual de Campinas, o vereador paulistano Fernando Holiday, do partido Novo, da direita liberal, foi impedido de discursar por estudantes ligados à União da Juventude Comunista, ainda em junho..A polícia investiga se a morte, no sábado, dia 24, de um homem de 58 que usava camisa de Bolsonaro, em Rio do Sul, Santa Catarina, num ataque à faca cometido por outro, supostamente simpatizante do PT, teve motivação política..No mesmo dia, em Cascavel, no Ceará, Edmilson Freire, 59 anos, entrou num bar a perguntar "quem vota Lula?". António Lima, 39, respondeu afirmativamente e acabou esfaqueado e morto após discussão..Na semana anterior, uma jovem dizia a amigos, num bar em Angra dos Reis, que não conhecia ninguém que votasse Bolsonaro, quando um homem de outra mesa a interpelou e agrediu..A violência chegou aos colaboradores do Datafolha, o mais conhecido dos institutos de sondagem do Brasil. Em Ariranha, interior do estado de São Paulo, Rafael Bianchini começou a chamar um funcionário da empresa de sondagens de "vagabundo". Na sequência, agrediu-o a soco e pontapé e foi a casa buscar uma faca, mas acabou contido pelo vizinhos. Segundo o instituto, dez dos seus colaboradores já foram ameaçados..Por falar em Datafolha, o instituto realizou sondagens onde verificou que a maioria dos eleitores diz ter medo de sofrer agressões por motivos políticos. O levantamento foi encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Rede de Ação Política Pela Sustentabilidade e teve dados de 2100 pessoas em 130 municípios de todo o país, coletados de 3 a 13 de agosto..Questionados se estão com medo de serem "agredidos fisicamente pela sua escolha política ou partidária", 67,5% dos entrevistados responderam que sim..Lula da Silva só à sexta eleição presidencial da sua longa carreira política vem usando colete à prova de bala. "A minha segurança diz que é necessário", explicou o líder das sondagens em recente encontro com a imprensa internacional.."Já é comum o uso de coletes à prova de balas, por exemplo, em políticos locais ou deputados estaduais. Em candidatos a presidente não é comum, mas acredito que isso seja passageiro e centrado na eleição, muito contaminada de cima a baixo pela violência, e no pós-eleição, caso o Lula ganhe e o Bolsonaro mobilize as suas bases", lembra Felipe Borba..Desde fins de fevereiro, Lula mudou da sua residência nos arredores de São Paulo para uma, mais protegida, no centro da cidade e, mesmo com direito a quatro guarda-costas, como antigo presidente, duplicou o número de seguranças. Num evento na sede da Escola de Samba da Portela, no Rio de Janeiro, foram vistos snipers em pontos específicos atentos a movimentos bruscos. Por outro lado, o candidato nunca repete um local de encontro com aliados - se num dia os recebe em casa, noutro dirige-se a um hotel e num terceiro à sede do seu instituto..O Brasil tem tradição de violência contra políticos. Em dezembro de 1963, os senadores Silveira Péricles e Arnon de Melo insultaram-se no Congresso brasileiro ao ponto de o segundo, pai do futuro presidente Collor de Mello, ter disparado na direção do primeiro. Ao tentar apaziguar, o parlamentar José Kairala acabou atingido fatalmente.."Toninho do PT", prefeito de Campinas, foi assassinado com três disparos no carro, em 2001, num caso fechado pela polícia como discussão de trânsito. A família do político não aceitou o desfecho, assim como, no ano seguinte, os irmãos de Celso Daniel, prefeito de Santo André, também do PT, não se conformaram com a definição de "crime comum" após o sequestro e homicídio do autarca. O crime, a completar 20 anos em 2022, tem sido usado por Bolsonaro para lançar a suspeita de envolvimento de dirigentes do PT na morte do seu correligionário..No ano das últimas eleições gerais, 2018, a execução de Marielle Franco, vereadora do Rio, atingida, em março, por disparos no centro da cidade, e o atentado à faca contra Bolsonaro, então candidato presidencial, em Juiz de Fora, em setembro, são notícia desde então - e alvo de especulações e indignação, à esquerda e à direita..dnot@dn.pt