Lula pode recuperar direito a ser candidato já nos próximos meses

Antigo presidente aposta que o Supremo vai considerar "suspeito" o seu julgamento por Sérgio Moro, depois de ter tido acesso a sete terabytes de mensagens supostamente comprometedoras.

Um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu disponibilizar aos advogados de Lula da Silva uma quantidade gigantesca - sete terabytes - de mensagens trocadas entre Sérgio Moro e os procuradores da República, supostamente reveladoras de parcialidade do magistrado durante o julgamento em que antigo presidente foi condenado à prisão e ficou impedido de concorrer às eleições de 2018, cujas sondagens liderava. Com esse material, Lula acredita que o julgamento será anulado e o direito político de se candidatar à presidência em 2022 recuperado. O caso será analisado pelo STF até junho.

"Retiro o sigilo dos presentes autos, remetendo-os à Secretaria Judiciária para as providências", decretou Ricardo Lewandowski, juiz nomeado para o STF em março de 2006 pelo então presidente Lula, em despacho da semana passada. Os advogados do antigo sindicalista terão assim acesso à íntegra das conversas privadas entre Moro e os procuradores da Operação Lava-Jato - os tais sete terabytes - em grupos da aplicação WhatsApp de 2015 a 2017. Esse material fora apreendido em 2019 pela Operação Spoofing da polícia federal após um grupo de hackers invadir telefones de autoridades, como o do à época ministro da Justiça Moro, num episódio batizado pelos jornais que tiveram acesso ao seu conteúdo como Vaza-Jato.

Gilmar Mendes, outro juiz do STF, no caso nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, já adiantou que o caso da suspeição de Moro no julgamento de Lula será analisado pela corte durante o primeiro semestre. "É possível, porque esse caso é extremamente importante e relevante", afirmou ao canal Globonews. Juízes do STF citados pela imprensa sob a condição de anonimato concordam que as mensagens são comprometedoras para Moro.

O ex-juiz condenou Lula a mais de nove anos de prisão pela posse de um apartamento tríplex no Guarujá, região balnear do estado de São Paulo - o antigo presidente cumpriu, numa prisão de Curitiba, um ano e sete meses dessa pena. À luz da Lei da Ficha Limpa, o político ficou também impedido de concorrer a cargos públicos, pena que tenta agora reverter para, eventualmente, ser candidato a presidente no próximo ano.

Nas mensagens vindas a público, Moro parece trabalhar lado a lado com a acusação, aconselhando os procuradores em detalhes da recolha de provas, sugerindo datas para a sua apresentação ou trabalhando para impedir a possibilidade de Lula, que pertence ao Partido dos Trabalhadores (PT), conceder entrevistas. A defesa de Lula também considera uma prova da suspeição do juiz a aceitação do convite para integrar o superministério da Justiça e da Segurança Pública de Bolsonaro, que se elegeu beneficiando-se do impedimento do antigo presidente. A líder do PT Glesi Hoffmann já disse que espera que o caso seja analisado pelo STF com celeridade. "É impossível esperar mais pelo julgamento da suspeição de Moro, com as descobertas da defesa de Lula nos arquivos da Vaza-Jato. Juiz tramou denúncia com procuradores desde o início. Combinaram até delações. Credibilidade da Justiça está nas mãos do STF", afirmou.

A posição de Moro tem sido de reforçar que essas mensagens foram obtidas "por meios criminosos", que não reconhece "a autenticidade" delas e que, posto isso, lamenta o seu uso em processos.

Como os juízes do STF se têm revelado historicamente divididos na análise a questões envolvendo a Lava-Jato - nos cinco envolvidos nesta questão, dois costumam votar favoravelmente à operação liderada por Moro, dois contra -, o voto do último elemento, Nunes Marques, o único juiz da corte nomeado já por Bolsonaro, pode ser decisivo. Segundo observadores, os aliados do atual presidente que fizeram lóbi pela nomeação de Marques avaliam qual a melhor estratégia política para sustentar a decisão jurídica do seu protegido. E, segundo o portal Terra, acreditam que uma eventual derrota de Moro, entretanto em rutura com Bolsonaro, e consequente candidatura de Lula em 2022 possa ser positiva para o atual inquilino do Palácio do Planalto.

"A estratégia eleitoral da "nova direita" tem sido apostar no antipetismo, ", disse ao portal o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná. "Então ter o Lula numa segunda volta, mantidas as demais condições atuais constantes, pode favorecer, sim, Bolsonaro em função da rejeição atual a Lula e ao PT. Nesse sentido, um nome alternativo, de centro ou centro-direita, que aglutinasse diversas forças, teria, atualmente, mais hipóteses. Mas o problema desse raciocínio é que ele é estático e descarta os efeitos da campanha eleitoral. O facto de Bolsonaro estar hoje à frente [nas sondagens] não quer dizer que permaneça nesse patamar depois da campanha eleitoral."

Os advogados de Lula veem com bons olhos, por outro lado, o contágio deste caso com os outros que ainda correm contra o ex-sindicalista nos tribunais - já foi inocentado de sete deles, mas aguarda decisões sobre outro processo mediático, o de usufruto de uma propriedade rural em Atibaia.

Por outro lado, o jornal O Estado de S. Paulo avança com uma tese jurídica alternativa: mesmo que a suspeição de Moro seja considerada, Lula continuaria sem os seus direitos políticos suspensos pelo facto de a condenação do antigo presidente no caso de Atibaia ter sido assinada já pela juíza Gabriela Hardt por Moro ter abandonado a magistratura e aceitado o convite para integrar o governo.

Em sondagem realizada de 22 a 26 de janeiro por telefone, entrevistando 2002 eleitores em 204 municípios das 27 unidades federativas do país, com margem de erro de dois pontos percentuais e nível de confiança de 95%, a Paraná Pesquisas dá favoritismo a Bolsonaro em 2022.

No único cenário em que Lula é incluído, o atual presidente somou 31 pontos contra 17 do chefe de Estado de 2003 a 2011. Curiosamente, Moro, outra peça deste quebra-cabeças, vem em terceiro, com 12.

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