EUA e UE denunciam "política cínica" russa de usar alimentos como arma de guerra

Pressão aumenta para tentar isolar a Rússia, que aliciou o continente africano com oferta de cereais.
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Numa intervenção no Conselho de Segurança das Nações Unidas e numa carta enviada a vários países, os chefes da diplomacia dos Estados Unidos e da União Europeia denunciaram a política da Rússia de sair do acordo de cereais do Mar Negro para de seguida começar a atacar os portos ucranianos. Ao presidir a uma reunião sobre insegurança alimentar na sede da ONU, em Nova Iorque, Antony Blinken disse aos 15 membros do Conselho que "a fome não deve ser transformada em arma" e pediu para se tomarem medidas para que Moscovo mude de rumo. Já Josep Borrell alertou para o risco de uma crise alimentar global.

O secretário de Estado norte-americano acusou Moscovo de "chantagem" devido à retirada, no mês passado, do acordo dos cereais do Mar Negro. "Todos os membros deste conselho, todos os membros das Nações Unidas, devem dizer a Moscovo que já chega, que já chega de usar o Mar Negro como chantagem", disse Blinken. "Basta de tratar as pessoas mais vulneráveis do mundo como uma moeda de troca. Basta desta guerra injustificada e inconsciente", prosseguiu.

Para Blinken o problema começou com a invasão da Ucrânia no ano passado, o que provocou um "ataque" ao sistema alimentar mundial. No entanto, o bloqueio russo aos navios cerealíferos no Mar Negro foi levantado após a celebração do referido acordo, em julho de 2022, com a mediação turca e da ONU. Enquanto se garantia o acesso dos cereais ucranianos aos mercados, os russos podiam exportar cereais e fertilizantes. No entanto, Moscovo queixou-se reiteradamente de não conseguir fazê-lo - as sanções não afetam diretamente os produtos, os métodos de pagamento e os seguros dos fretes marítimos tornaram-se barreiras e o Kremlin acabou por recusar a extensão do acordo.

Enquanto isso, Josep Borrell enviou uma carta aos países do G20 e a outros em vias de desenvolvimento para que haja uma pressão internacional no sentido de levar a Rússia de novo à mesa de negociações e a parar os ataques aos portos e silos ucranianos, por um lado, e advertir sobre o risco de uma crise alimentar global.

Na carta, o diplomata espanhol recorda que a Ucrânia contribuiu com 50% do trigo usado no programa alimentar mundial e que, sem o acordo, o mundo enfrenta "uma crise alimentar sem precedentes". E criticou a promessa de Vladimir Putin em oferecer entre 25 mil e 50 mil toneladas de cereais para o continente africano, "uma política cínica de utilização da alimentação como arma para criar novas dependências e agravar as vulnerabilidades económicas e a insegurança alimentar mundial", disse na carta citada pelo El País.

O regime russo não dá sinais de abertura. Um empresário de 48 anos que não se coibiu de afixar mensagens contra a guerra na sua loja no norte do país foi condenado a 18 meses de prisão, enquanto um jovem de 19 anos foi sentenciado a seis anos por traição por se preparar para cruzar a fronteira. No mesmo dia, o líder da oposição, Alexei Navalny, disse esperar uma pena "longa e estalinista" do veredicto, a proferir nesta sexta-feira, sobre a acusação que pende sobre si de extremismo.

cesar.avo@dn.pt

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