Os chilenos votam hoje num segundo referendo com o objetivo de substituir a Constituição dos tempos da ditadura, mas os analistas dizem que a nova proposta é ainda mais conservadora do que a existente..A última versão foi desenhada pelo Partido Republicano, de extrema-direita, depois de os eleitores terem rejeitado uma primeira versão progressista em setembro do ano passado, que tentava garantir proteções ambientais e o direito ao aborto..O presidente chileno, Gabriel Boric, de esquerda, disse no mês passado que esta seria a sua última tentativa de reformar a Constituição, com o objetivo de se focar na estabilidade e no desenvolvimento de longo prazo..As sondagens, proibidas nas duas últimas semanas antes do referendo, preveem uma nova rejeição do texto..O processo para reescrever a Constituição de 1980, adotada durante a ditadura de Augusto Pinochet, começou como uma tentativa de acalmar os protestos que rebentaram em outubro de 2019 contra a desigualdade social. Num referendo em 2020, 80% dos eleitores votaram para substituir a Constituição..Contudo, quatro anos depois dos protestos, o entusiasmo foi travado pela pandemia, pela inflação e a estagnação económica, pelo sentimento crescente de insegurança e pela fadiga eleitoral, dizem os analistas.."Há uma atmosfera de grande desencanto, de pouco interesse, pouca motivação, de fadiga com a questão constitucional", disse a cientista política Claudia Heiss, da Universidade do Chile. "As pessoas querem coisas mais básicas. Querem segurança, ordem pública, mais polícia nas ruas, regressar à normalidade após um par de anos de uma vida completamente anormal", acrescentou..O crescimento económico chileno caiu para 2,2% em 2022 e deverá contrair-se em 2023..A oposição apresentou esta consulta constitucional como um referendo a Boric, que aproveitou a onda de descontentamento para ser eleito o presidente mais novo de sempre do Chile, em finais de 2021, aos 35 anos..Boric, cujo nível de aprovação caiu para cerca de 30%, já sofreu um revés em maio quando o Partido Republicano, da extrema-direita, venceu nas eleições para escolher os membros da comissão encarregada de reescrever a Constituição..O texto de 1980 é apontado como o grande culpado de tornar as empresas e a elite mais ricas às custas dos pobres e dos trabalhadores..A primeira tentativa para reescrever incluía proteções mais fortes para os direitos indígenas, propostas para proteger os recursos naturais, como a água, e exigia que as mulheres tivessem, pelo menos, metade das posições nas instituições públicas..Heiss disse que a última versão "cai entre a Constituição de 1980 e uma ainda mais à direita", especialmente em temas como o aborto e a segurança pública..A nova versão quer garantir o direito à vida desde a conceção, que, peritos dizem, poder levar a pôr em causa as leis existentes. O aborto foi proibido no Chile até 2017, quando foi autorizado em casos de violação, quando a vida da mulher está em risco ou o feto é declarado inviável..A nova versão também permite a expulsão, "no mais curto espaço de tempo possível", de imigrantes ilegais, com a direita a culpar os venezuelanos que fugiram da crise económica no seu país pelo aumento do crime..Também aprofunda a autonomia das escolas e permite a educação em casa. Em vez de um orçamento geral para as escolas, o Estado alocaria dinheiro por cada estudante matriculado..Sem financiamento, o desejo para uma "educação pública de qualidade e gratuita" desaparece, disse Catalina Lufin, de 22 anos, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile..A proposta de Constituição reconhece, pela primeira vez, os povos indígenas, que representam 12% da população, mas não responde aos seus pedidos de maior autonomia.