O outono já tinha chegado, mas em Portugal vivia-se o verão quente de 1975, quando os limites da liberdade e da democracia eram testados todos os dias. No país vizinho, a ditadura de Franco estava no último estertor. A condenação à morte de cinco militantes de grupos terroristas desencadeou uma vaga de protestos internacionais. Houve atos de vandalismo contra representações espanholas, mas Lisboa ganhou a palma com um ataque duplo à residência do embaixador e aos serviços consulares. . No mesmo dia, um avião da Força Aérea despenhou-se e morreram os oito tripulantes. Chefiado por Pinheiro de Azevedo, o VI governo provisório tomou posse. Temas levados à primeira página do DN de 27 de setembro de 1975, mas a manchete foi reservada à notícia de que as execuções iriam avante: “Morte em Espanha para cinco militantes.” Ao lado: “Destruídos por manifestantes os recheios da embaixada e do consulado espanhóis” e, em baixo, a respetiva fotografia, no caso a ilustrar a fogueira à porta do consulado, na Rua do Salitre. Por fim, além da reprodução do telex com a notícia da confirmação da sentença da pena capital, outro título apontava para uma “Vaga de repúdio em todo o mundo”. Nas páginas interiores, o jornal então dirigido por Luís de Barros e José Saramago refletia as altas temperaturas políticas vividas à época, com a publicação de uma moção de repúdio dos “trabalhadores em laboração” do DN à condenação dos cinco réus. .“Esta pintura de Luca Giordano é a única de sete que sobreviveu ao ataque à embaixada de Espanha em 1975” .Em Espanha, o final da década de 60 e início da seguinte foram marcados pelo surgimento do movimento separatista basco ETA e, em menor dimensão, da Frente Revolucionária Antifascista e Patriótica: ambos recorreram ao terrorismo como ferramenta política, o que degenerou numa espiral de maior repressão e violência. O ponto alto - ou baixo - deu-se com um atentado bombista que, em dezembro de 1973, matou o primeiro-ministro Carrero Blanco, o almirante que, em paralelo ao príncipe Juan Carlos, iria suceder ao “generalíssimo”. Sob a chefia do governo de Arias Navarro - o homem que durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC) terá sondado os Estados Unidos sobre a possibilidade de uma invasão a Portugal -, no verão de 1975 foi aprovado um decreto-lei contra o terrorismo. Este instituía que suspeitos de crimes resultantes na morte de militares, polícias e restante pessoal do aparelho de segurança, enfrentariam um julgamento sumário por um tribunal militar. Cinco anos antes, no chamado processo de Burgos, entre 16 acusados de pertencerem à Euskal Ta Askatasuna (dois dos quais padres), seis foram condenados à morte. No entanto, um forte levantamento popular, pressões da Igreja e manifestações no estrangeiro levaram Franco a comutar a pena capital. .Em 1975, o ditador Francisco Franco, de saúde débil, quis dar um golpe de força, e nem um telefonema do papa Paulo VI o demoveu da condenação à pena capital. O Conselho de Ministros confirmou a pena de morte de Juan Paredes Manot (conhecido como Txiki), de 21 anos; Ángel Otaegui, de 33, ambos militantes da ETA; José Humberto Baena, de 25 anos; José Luis Sánchez-Bravo, de 21; e Ramón García Sanz, de 27, da FRAP, organização que desapareceu com a morte de Franco. Todos foram condenados em conselho de guerra pelo assassínios de dois elementos da Guarda Civil e de outros dois da Polícia Armada. Os condenados foram fuziladosA outros seis militantes, a pena foi comutada para 30 anos de prisão. Amnistiados e libertados em 1977, três deles estão vivos. Um deles, Vladimiro Fernández Tovar, em declarações recentes ao El País, considera que “queriam fazer das execuções um exemplo, mas só conseguiram acelerar a liquidação do regime”. Na citada reportagem, o historiador Pau Casanellas concorda: “O franquismo não reduziu a repressão no final, mas aumentou-a. O animal estava meio morto e em setembro de 1975 recebeu um golpe final.” Em novembro, Franco morreu e deu-se início à transição democrática.Em 26 de setembro de 1975, a notícia de que o destino dos cinco espanhóis estava selado chocou parte da opinião pública. Os processos eram anteriores à entrada em vigor do decreto-lei pelo que a negação da justiça deu-se em duplicado. A sede da Ordem dos Advogados, em Madrid, foi ocupada por 50 personalidades, caso de Tierno Galvan, como contava o DN. Fora de Espanha, as manifestações foram menos simbólicas. Registaram-se distúrbios junto da embaixada de Espanha em Paris, enquanto em Perpignan e Nantes os consulados foram alvos de ataque, tal como em Gotemburgo, na Suécia. Uma dependência bancária espanhola foi saqueada e incendiada em Toulouse. .Em Lisboa, foram “milhares de manifestantes” aqueles mobilizados por um comunicado da UDP difundido na rádio. Começaram por apedrejar o edifício da Rua do Salitre, ao que se seguiu o assalto. O seu recheio foi destruído, incendiado ou pilhado. No lugar da bandeira de Espanha foi hasteada uma bandeira da FRAP. O mesmo método foi usado no palacete da Praça de Espanha, sem que as autoridades policiais esboçassem uma reação. . “Isto afetou gravemente as relações com Espanha durante algum tempo. Espanha fechou as fronteiras”, recorda o embaixador António Martins da Cruz, mais tarde colocado em Madrid e ministro dos Negócios Estrangeiros. O nível das relações diplomáticas com Portugal foi rebaixado, com o contacto a dar-se ao nível do encarregado de negócios. As relações foram normalizadas meses depois com o início da transição espanhola e com uma conta de “dezenas de milhares de contos” por liquidar, entre mobiliário, peças decorativas e de arte, e veículos. Martins da Cruz diz que excessos como este foram uma lição aprendida pelo país vizinho: “O exemplo de Portugal, o desastre que foi para a economia portuguesa em 1974 e em 1975, foi bem tido em atenção pelos responsáveis militares e pelos responsáveis políticos, sobretudo de esquerda e comunistas espanhóis, para não se repetirem os erros que se deram em Portugal. Isso é muito claro.”