Em 2011, depois de Promessas Perigosas (2007) e antes de Cosmopolis (2012), David Cronenberg realizou Um Método Perigoso. Muito mal amado ou, pelo menos, pouco visto, o filme é habitualmente rotulado como um “retrato” das origens da psicanálise, aliás colocando em cena Sigmund Freud e Carl Jung (Viggo Mortensen e Michael Fassbender, respetivamente). Assim é, sem dúvida, embora estejamos longe do modelo corrente de “biografias históricas”.Há em Um Método Perigoso um fundamental pólo feminino, Sabina Spielrein (Keira Knightley), também figura primitiva na história da psicanálise: ao seguir um tratamento coordenado por Jung, ela viria a ocupar um lugar central nas relações científicas e pessoais de Freud e Jung, relações que constituem a principal matéria dramática do filme. Sem esquecer que em todo esse universo emerge também Otto Gross, discípulo de Freud interpretado por Vincent Cassel, o ator que reencontramos como protagonista de The Shrouds – As Mortalhas.Se não nos esquecermos que há também uma dimensão técnica nos procedimentos psicanalíticos, então poderemos acrescentar que Um Método Perigoso é um dos títulos que pode servir de porta de entrada nas convulsões dramáticas e narrativas que desembocam em The Shrouds. Quanto mais não seja porque nele deparamos com o conflito ancestral entre o corpo como elemento natural e o corpo como entidade que escapa à noção tradicional, porventura romântica, de natureza.No universo de Cronenberg, a tecnologia não surge como mero conjunto de instrumentos práticos que podem facilitar as ações humanas: esses instrumentos são, afinal, o reflexo do entendimento moral e filosófico do corpo humano e dos seus limites. Lembremos, claro, os dois gémeos ginecologistas (com Jeremy Irons num duplo papel) de Irmãos Inseparáveis (1988), mas também a visão premonitória da realidade virtual em eXistenZ (1999) — estes filmes integram um pequeno ciclo retrospectivo a decorrer no Cinema Nimas (até dia 14).Tudo isto envolve o reconhecimento de um estado das coisas (humanas e tecnológicas) em que a perceção dos laços sociais vai passando, cada vez mais, pelo poder sedutor e insidioso dos ecrãs televisivos. Nesta perspectiva, Cronenberg é autor de um dos filmes de referência para pensarmos o poder imenso, por vezes violentamente normativo, desses ecrãs: Videodrome (1983), com o genial James Woods. O título original resume o tema, mas, por uma vez, o título português adequa-se ao que está em jogo: Experiência Alucinante.