"Foi o Irão que o fez e sabemo-lo porque vimos a embarcação." Na manhã seguinte ao secretário de Estado Mike Pompeo ter atribuído ao Irão a responsabilidade do ataque a dois navios-tanques no golfo de Omã, ocorrido poucas horas antes, Donald Trump reiterou a linha do Pentágono, apoiado num vídeo entretanto divulgado pelo destroyer USS Bainbridge. Em conversa telefónica no programa Fox & Friends, o presidente dos Estados Unidos não avançou sobre como a administração irá reagir. "Vamos ver. Não encaramos isto de ânimo leve", disse..O vídeo em questão mostra uma embarcação acostada a um petroleiro e vários homens em movimento. Segundo os Estados Unidos, as imagens mostram os iranianos Guardas da Revolução a retirar uma mina que não explodiu no casco do navio japonês Kokuka Courageous. O que prova, na ótica norte-americana, a responsabilidade de Teerão nos ataques. Para o Bellingcat, site de jornalismo de verificação de factos baseado em fontes abertas, o filme é coerente com as fotografias e imagens de satélite; a embarcação é similar às lanchas rápidas usadas pelos Guardas da Revolução; e as imagens parecem mostrar marinheiros a extraírem um objeto. No entanto, "deve-se salientar", lê-se, que se desconhece "a motivação para remover o objeto"..A teoria de que os navios teriam sido atacados com minas foi entretanto negada pelos marinheiros do Kokuka Courageous. "A nossa tripulação disse que o navio foi atacado por um objeto voador", disse o presidente da empresa Kokuka Sangyo, Yutaka Katada. "Não creio que houvesse uma bomba-relógio ou um objeto preso ao costado do navio", acrescentou..Mike Pompeo não especificou o que causou os danos no casco, mas relacionou o ataque com os iranianos. "Este é apenas o mais recente de uma série de ataques instigados pela República Islâmica do Irão contra os interesses norte-americanos e aliados. E devem ser vistos à luz de 40 anos de agressões não provocadas contras as nações pró-liberdade. Em abril de 2017, o Irão prometeu interromper o tráfego de petróleo no estreito de Ormuz. Está agora a trabalhar para cumprir a promessa", disse o secretário de Estado norte-americano..Os incidentes devem também ser vistos à luz da deterioração das relações entre as potências regionais no Médio Oriente, com Irão e Arábia Saudita à cabeça, envolvidas numa guerra por procuração há cinco anos no Iémen, e sem nos esquecermos de Israel..O regime teocrático terá sido escolhido como o alvo a abater pela administração, a avaliar pelas tomadas de posição de Donald Trump - em contraste, por exemplo, com o regime norte-coreano -, bem como pela retirada unilateral do acordo nuclear da comunidade internacional com o Irão. O secretário de Estado está em sintonia com o presidente no dossiê iraniano..Ainda Mike Pompeo era diretor da CIA e já criticava o Plano de Ação Conjunto Global, considerando-o "um erro" para a segurança dos EUA. "Quer a sua enorme capacidade acrescida para lançar sistemas de mísseis contra Israel a partir do Hezbollah, quer a sua força reforçada em Mossul e arredores com as milícias xiitas, quer o trabalho que têm feito para apoiar os houthis [rebeldes iemenitas] a disparar mísseis contra os sauditas - a lista de transgressões iranianas aumentou drasticamente desde a data em que o acordo foi assinado", disse Pompeo, em 2015, então à frente da agência de espionagem que mais tarde, em 2017, criou um departamento especializado sobre o regime iraniano, incluindo "ações encobertas", noticiou na altura o The Wall Street Journal ..Na sequência do vídeo revelado pelo Pentágono e a rápida responsabilização do Irão - que nega qualquer envolvimento - não faltou quem, nas redes sociais, comparasse o momento com a explosão no USS Maine em 1898, que fez os EUA declararem guerra a Espanha, ou o incidente no golfo de Tonkin, em 1964, no qual o USS Maddox foi alvejado (mas terá disparado primeiro, informação que ficou classificada até 2005) por três torpedeiros do Vietname do Norte, o que levou à participação direta dos EUA na Guerra do Vietname. Outros lembram as "provas de armas de destruição maciça" que se revelaram inexistentes e que forjaram o argumento da invasão ao Iraque, em 2003..Perante este historial e com um presidente cuja credibilidade é posta à prova todos os dias, o prémio Nobel da Economia Paul Krugman resume o sentimento de muitos céticos: "Quando se mente sobre tudo, o tempo todo, isso tem consequências. Talvez o Irão tenha atacado os petroleiros. Mas ninguém vai acreditar apenas porque a administração Trump o afirma.".O incidente coincidiu com a reunião do guia supremo do Irão, Ali Khamenei, com o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe. Uma visita histórica - a primeira de um governante nipónico desde a revolução islâmica de 1979 - que tinha como objetivo mediar a tensão crescente entre Washington e Teerão..Guterres pede investigação.O facto de um dos navios atacados ser japonês levou os iranianos a assinalarem o facto como, "no mínimo, suspeito". Na sexta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu uma investigação independente que deveria ser assegurada pelo Conselho de Segurança..A visita de Shinzo Abe teve o beneplácito de Donald Trump, que acertou agulhas com o governante japonês quando se deslocou a Tóquio no final de maio. Abe transmitiu uma mensagem da Casa Branca e recebeu a resposta de Khamenei: que não iria dizer nada a Donald Trump porque "não é digno de uma troca de mensagens" e que não acredita nas palavras do presidente norte-americano. Declarou também que os EUA não têm o direito de decidir quem pode ou não ter armas nucleares. "Trump, que fala de armas nucleares, tem milhares de ogivas nucleares, pelo que não tem autoridade para dizer se outro país pode ou não tê-las. Mas nós temos porque estamos contra as armas nucleares", disse..Além das implicações políticas do acentuar de um conflito, o comércio global está dependente do estreito de Ormuz. Por ali passa um terço dos derivados de petróleo à escala global. Perante as sanções norte-americanas, os iranianos têm ameaçado bloquear o tráfego no estreito, o que impediria a exportação da maior parte da produção da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, do Koweit e do Iraque.