Fugi sempre das generalizações, talvez porque nunca me tenha sentido protegido por nenhuma. Convoco a ideia de proteção porque há nas generalizações, no seu sentido gregário, um pressentimento de ataque, como se a integração em algo maior, numa multidão, nos salvasse. Houve tempos em que procurei essas multidões, camuflando-me até ficar invisível. Mas foi um esforço inglório, porque convivem em mim, e na minha vida, tantas intuições contraditórias, tantos pressentimentos conflituantes, que nunca encontrei conforto em nenhuma generalização: havia sempre algo a mais, ou a menos, nessas multidões, e a minha presença foi sempre intermitente, como quem alterna uma corrida com passo lento, como quem não se aclimata em mudança de estação, ora puxando o lençol para cima ora afastando-o com vigor sem adormecer..Talvez seja assim com toda a gente, mas sinto muitas vezes que a única coisa que tenho em comum com as centenas de grupos ou interesses a quem e a que me dedico é a minha própria vida, nada mais, como se apenas eu, a minha existência, pudesse juntar, fazer desaguar, rios tão distantes, como se só ela pudesse dar-lhes sentido conjunto..E essa é uma ideia agradável, quase egocêntrica, que aprendi a cuidar, e com que me reconciliei quando a transformei em valor político, porque ela é o reconhecimento de que cada ser humano, cada pessoa, guarda em si uma individualidade irrepetível, uma maravilhosa confluência de aspirações e impressões - tão irrepetível que não é possível rotulá-la, coletivizá-la, sob pena de a amputarmos de boa parte da sua natureza. Essa irrepetibilidade funda os valores da liberdade e da igualdade: a liberdade de ser e viver de acordo com a nossa vontade, sem que essa vontade nos faça merecedores de tratamento especial. É porque somos todos igualmente diferentes que partilhamos todos da mesma liberdade e da mesma dignidade máxima - para os crentes, é isso que nos faz filhos de Deus, iguais nas nossas diferenças..Isto bastaria para vigorosamente afastar a ideia das quotas étnicas, como aliás para rebater as políticas identitárias que afastam a liberdade e a igualdade do centro político para lá colocarem a identidade (isto para não falar de outras questões práticas: como se averiguaria, num mundo felizmente tão miscigenado, o grau de pertença a uma etnia, como se hierarquizariam as pessoas, como se lidaria com as subdivisões até ao infinito das catalogações?)..Cada ser humano é merecedor da dignidade total e máxima pelo simples facto de ser pessoa, e deve ter, por ser pessoa, livre e igual, a oportunidade de lutar pelo seu projeto de felicidade. Essa é a única forma que tenho de responder a uma proposta de quotas étnicas, sendo para mim intolerável responder-lhe com qualquer argumento que presuma, de forma simétrica, a coletivização e a generalização, como se o nosso mundo, e o debate político, pudesse aceitar que o indivíduo fosse substituído pelo grupo onde políticos ou terceiros o querem integrar..Advogado