É na Casa Carlucci, a residência da embaixadora dos EUA em Lisboa, que conversamos com Jennifer Griffin. A jornalista da FOX News veio a Portugal a convite da embaixadora Randi Charno Levine para uma série de eventos ligados ao Women's History Month, entre eles a conferência Journalists on Journalism, que hoje junta jornalistas portuguesas e americanas. "Estou tão orgulhosa e feliz por receber algumas das mais proeminentes mulheres jornalistas na América. Elas são o exemplo perfeito do que as mulheres podem conseguir - num sector predominantemente dominado por homens - quando se envolvem, assumem papéis de liderança e se apoiam umas às outras", explica a embaixadora. Quanto a esta ideia, recorda: "Já tínhamos juntado artistas de hip-hop portugueses e americanos, cantores de gospel portugueses e americanos, agora vamos juntar jornalistas portuguesas e americanas. Esta troca cultural só melhora as nossas relações, o nosso conhecimento mútuo e os nossos valores comuns.".Após a invasão da Ucrânia, a Jennifer teve de corrigir ou contradizer alguns analistas da FOX News. Após quase 30 anos de carreira, diria que as fake news são hoje o maior desafio ao jornalismo? Eu não gosto do termo fake news. Porque é usado para menosprezar os media. O que eu acho que é a maior ameaça atualmente para a imprensa e para a democracia é a desinformação. Eu comecei a carreira como correspondente em Moscovo. Acompanhei o período final de Ieltsin e a ascensão de Vladimir Putin. E vi o que Putin era nessa altura. Compreendo a forma como países que são autocracias - como a Rússia, a China, o Irão - manipulam a informação. E o que me preocupa mesmo é que estão a usar as nossas plataformas - jornais legítimos, estações de televisão legítimas, fóruns online, o Twitter - para divulgar as suas informações. E estão a confundir as pessoas, que já não sabem no que acreditar. A confiança nos media está ao nível mais baixo. E isso é muito perigoso para as democracias. Se não tivermos um eleitorado educado vamos ter manipulações, líderes que pensam que estão acima da lei e não acreditam no Estado de Direito. Nós jornalistas somos a maior ameaça para autocratas como Putin ou Xi Jinping..As pessoas parecem ter muita dificuldade em distinguir entre jornalismo e o que leem noutras plataformas, como as redes sociais... Temos de começar a educar os nossos filhos. Eles estão nas redes sociais, recebem as informações através do Instagram e do Tik Tok. Há um verdadeiro debate neste momento nos EUA sobre banir o Tik Tok. Eu sou a correspondente-chefe para a segurança nacional da FOX News, cubro ameaças, desde o 11 de Setembro que acompanho o terrorismo, ciber-ameaças, a Rússia e a China e uma coisa que me surpreendeu recentemente foi que o momento de despertar nos EUA - quando o americano comum finalmente percebeu a ameaça chinesa - foi o balão-espião que sobrevoou o país. Eu trabalho no Pentágono, e sei que aquele balão estava neutralizado, não estava a recolher informações graças às medidas tomadas pelo governo dos EUA. Mas de repente todos os americanos queriam saber onde é que o balão estava. Houve um taxista que me disse que ele e a mulher agora deixavam os telemóveis dentro de casa e iam falar na entrada para os chineses não os espiarem. Mas foi só depois de aquele balão se ter cristalizado diante dos seus olhos. E não me canso de repetir: os chineses estão nos nossos computadores, nas nossas redes. Todas as nossas informações pessoais, os nossos segredos mais sensíveis já foram roubados. Mas as pessoas estão vidradas no balão e ficam a olhar para o céu a tentar perceber se os chineses estão à escuta [risos]. Digo isto a rir, mas não tem piada. Estamos num ponto de inflexão muito perigoso. Pergunta-me o que me preocupa? Desinformação, sim. Mas também quero que as pessoas se foquem no perigo encarnado por aquele balão. Espero que os países europeus compreendam que a China não está aqui como amiga, não estão a construir redes de telecomunicações ou infraestruturas por serem vossos amigos. Estão aqui porque querem ser os donos dos vossos países. O que Vladimir Putin está a fazer, ao engolir um país europeu, a Ucrânia e tentar apagá-lo do mapa, violando o Estado de Direito estabelecido depois da II Guerra Mundial, a China está a fazer o mesmo de uma forma mais silenciosa. E os EUA e os países europeus, aliados fortes como Portugal, têm de reconhecer essa ameaça..Como correspondente em Moscovo assistiu à ascensão de Putin, do que viu uma decisão como a que tomou agora de invadir a Ucrânia era expectável? Se disser que há um ano eu sabia que ele ia invadir e destruir a Ucrânia, não, não tenho uma bola de cristal. No entanto, eu vi do que ele era capaz, por exemplo com a destruição dos três blocos de apartamentos em Moscovo que foram o casus belli para a Rússia enviar tropas para a Chechénia. E olhando para a destruição que deixaram na Chechénia, como não tinham qualquer preocupação com baixas civis, como mataram o seu próprio povo para justificar o seu objetivo final, a sua necessidade de expansão imperial, não me surpreendeu nem um pouco o que aconteceu agora na Ucrânia. Estava há pouco a falar sobre eu ter feito fact checking em direto às pessoas que estavam comigo em palco há um ano, às que diziam que Putin não era assim tão mau ou que não era uma invasão e que a Ucrânia é parte da Rússia, isso é fake news, é desinformação russa que se incrustou em alguns dos comentadores no nosso país. E graças à minha experiência na Rússia e a cobrir o Médio Oriente, tendo visto como a Rússia agiu na Síria, consegui expressar claramente e logo muito cedo, o que Putin planeava fazer e até onde queria ir..Esteve na Ucrânia depois da invasão russa, a resiliência do povo ucraniano surpreendeu-a? É espantoso. Já cobri muitas guerras. Vivemos no Paquistão, cobri o Afeganistão, cobri conflitos em África, a violência na África do Sul, o Kosovo, e nunca vi um grupo de pessoas que quisesse tanto vencer. Não pedem que o Ocidente venha lutar por eles, só não querem estar a lutar com as mãos atadas atrás das costas. Querem armas. E o que é interessante para a NATO agora é que os ucranianos estão a usar armas que estavam no arsenal da Aliança mas que esta nunca tinha usado no campo de batalha. É um investimento para a NATO. Os ucranianos estão a usar as armas que o Ocidente lhes dá e de forma criativa. Uma das minhas histórias preferidas é como foram buscar os drones que as namoradas ou mulheres lhes tinham oferecido, descobriram forma de lá colocar uma granada e usam-nos para travar os tanques russos. Quando estive lá, fiquei espantada. Fui em abril do ano passado, pouco depois de uns colegas terem sido mortos e feridos. Os russos tinham acabado de retirar de Kiev e fui das primeiras jornalistas a entrar em Bucha. No dia antes de chegarmos ainda havia corpos nas ruas. Três meses depois o meu marido esteve lá - ele também é jornalista, trabalha para a rádio NPR - e Bucha tinha sido reconstruída, as casas tinham sido pintadas, as estradas estavam melhores do que as que temos em Washington DC. [risos].Trabalha com o Pentágono, tem portanto acesso a muita informação. Como é que se explica a falta de capacidade militar dos russos? Oh, explica-se facilmente! Eles tinham muito armamento no início, mas não tinham o treino que tiveram as nações ocidentais durante 20 anos de guerra depois do 11 de Setembro. Não sabem usar armas combinadas, não sabem comunicar a partir do ar, um ano depois ainda não têm superioridade aérea. Se os EUA entrassem numa guerra conseguiam superioridade aérea em três dias. Eles ainda têm uma grande força área, ainda têm muito equipamento, mas não têm pessoal treinado. A Rússia começou esta guerra enviando 200 mil tropas para a Ucrânia. Um ano depois, segundo o Pentágono, já registaram entre 100 mil e 200 mil mortos e feridos. O nível de baixas mais alto desde a II Guerra Mundial. Perderam metade dos tanques. E estão a ficar sem microchips. Uma das razões para os russos estarem a roubar máquinas de lavar loiça é para tirar os semicondutores de que precisam para os seus mísseis de cruzeiro. Não têm armas de precisão neste momento. Por isso estão a recorrer ao Irão, à Coreia do Norte e agora possivelmente à China, para se rearmar..Foi correspondente em Israel... Durante sete anos e meio, na Segunda Intifada. As minhas duas filhas nasceram lá nessa altura. Eu estava grávida quando fiz a cobertura de ataques de bombistas suicidas e de uma incursão muito perigosa israelita na Cisjordânia. Foram tempos tristes e preocupantes. A Segunda Intifada foi muito violenta e os civis estavam a ser alvos, foi muito desafiante..Como vê o que se passa hoje em Israel? Tenho estado afastada. Mas vejo as coisas com preocupação. Com o meu marido escrevi um livro chamado This Burning Land, sobre o conflito israelo-palestiniano, temos amigos de ambos os lados. Neste momento, estou preocupada com o Médio Oriente como um todo. Muitos em Washington querem virar o foco para a Ásia, focar-se na China. Eles sabem que têm de lidar com Putin, mas estão prontos para se virar para a Ásia. Mas o que eu sei, por lá ter passado 20 anos, é que muitas vezes é do Médio Oriente que vem o desenvolvimento inesperado. Os EUA não podem tirar os olhos do que se passa no Irão, a situação instável em relação ao programa nuclear iraniano. O conflito israelo-palestiniano continua por resolver, e está a aquecer. Tal como a situação interna em Israel..Trabalhou na Rússia, no Afeganistão, Israel, fez a cobertura do tsunami em 2004, esteve na África do Sul no fim do apartheid. Qual foi o momento em que sentiu mais perigo? Foram tantos, demasiados para escolher apenas um. Mas posso dizer que o único momento de verdadeira esperança que cobri foi a libertação de Mandela. Eu na altura tinha 21 anos e lembro-me de pensar "olha, todas as histórias têm um final feliz". Infelizmente aprendi ao fazer a cobertura de conflitos durante muitos anos que estas histórias ainda não chegaram ao fim. E houve muitos momentos de perigo. Tenho três filhos agora e ainda falo de conflitos, ainda faço a cobertura, mas já não estou na linha da frente como estive durante 20 anos. Em parte foi por perceber que muitos amigos perderam a vida. Há um ano o nosso operador de câmara, Pierre Zakrzewski, e Sasha Kuvshynova, uma jovem repórter que estava no início da carreira, foram mortos na Ucrânia. Estive envolvida na retirada do país de Benjamin Hall [outro jornalista da FOX que estava com eles]. O governo dos EUA não tinha pessoal dentro da Ucrânia, os militares americanos não conseguiam entrar, por isso tivemos de recorrer a um grupo incrível de voluntários, veteranos das forças especiais, para organizarmos um salvamento dramático. A FOX vai passar um documentário sobre isso quando fizer um ano, dia 14. Benjamin escreveu um livro sobre a sua experiência, chama-se Saved. Teve de aprender a andar com a prótese, perdeu um olho, tem estilhaços na cabeça, mas está de novo com as três filhas e a mulher no Reino Unido. Foi um milagre dos tempos modernos..A FOX News ficou muito associada a Donald Trump. Mas a Jennifer protagonizou alguns choques com o presidente... Eu entro em choque com toda a gente! [risos] Faço isso há 20 anos. Não vejo isso como entrar em choque. Eu relatos factos e por vezes os factos são desagradáveis para quem está no poder. Fiz isso a minha carreira toda e não foi diferente com Donald Trump. Como não foi diferente com Biden durante a retirada do Afeganistão..Mas a cadeia reagiu da mesma forma? Eu sou repórter. Mantenho-me afastada da opinião, mantenho-me afastada da política. Reporto as notícias mas não fujo das verdades desconfortáveis. E se essas desagradam a quem está no poder, estou a fazer o meu trabalho..Como já disse, é casada com um jornalista, Greg Myre, e tem três filhos, como é que ambos equilibram a carreira e a família? No início ele trabalhava para a Associated Press. Trabalhou para a AP durante 20 anos. E eu estava a começar, era freelance. Por isso quando ele era enviado para algum lado, eu ia atrás. Estávamos em Moscovo quando a FOX começou, contrataram-me e ofereceram-me um lugar em Jerusalém. Nesse momento pareceu-nos uma oportunidade, por isso ele tirou um ano de licença e foi comigo para Jerusalém. Deixou a AP mas durou cerca de dois minutos porque pouco depois de lá chegarmos começou a Intifada e depois o 11 de Setembro e ele foi mandado para o Paquistão e para o Afeganistão. E desde então não parou de trabalhar. Juntou-se ao New York Times em Israel e quando voltámos para casa, tirou algum tempo. Foi quando escrevemos o nosso livro. Depois juntou-se à NPR. Temos tido muita sorte por podermos criar a nossa família e por ambos continuarmos ativos. No dia antes de eu vir para cá tivemos um briefing com o diretor dos serviços secretos. Estávamos a competir um bocadinho, por isso não fomos no mesmo carro [risos]. Havia trânsito, era hora de ponta e havia uma ponte que tínhamos de atravessar a caminho. O GPS mandou-nos por caminhos diferentes e eu liguei-lhe a perguntar: "onde estás?" E ele respondeu: "deixa-me em paz!" Mas acabei por estacionar antes dele. É engraçado como quando estamos a trabalhar na mesma história, é trabalho. Mas no fim do dia podemos comparar apontamentos. O que adoramos nas nossas vidas é que temos um lugar na primeira fila da História, podemos falar nisso antes de ir para a cama. E ainda é sobre isso que queremos falar quando acordamos. Somos competitivos, mas sabemos que o mais importante é reportar os factos exatos, mais do que bater o outro por uns minutos num scoop..helena.r.tecedeiro@dn.pt