Governo promove administradores e indigna profissionais de saúde
O Governo promoveu os administradores hospitalares, justificando que "é um reconhecimento de competências". Os médicos estão indignados com "esta prioridade", em detrimento de quem está na linha da frente no combate à covid-19

Hospital Pedro Hispano, Porto, em tempos de pandemia.
© Rui Oliveira/Globa Imagens
O Ministério da Saúde promoveu os administradores hospitalares, a maioria ao 3.º grau, mas, também, há subidas aos 2.º e 1.º graus. O despacho foi publicado nesta segunda-feira e indignou outros profissionais de saúde, que há anos não veem reconhecidos os seus direitos.
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Em causa está o despacho n.º 11813, publicado nesta segunda-feira e assinado pelo secretário de Estado adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales. "Na sequência do meu despacho de 17 de novembro de 2020 [...] é promovido a administrador do 3.º grau do quadro único, com efeitos retroativos."
A medida indignou outros profissionais de saúde, especialmente os médicos. Consideram que se está a privilegiar uma classe profissional em detrimento de outras que estão na linha da frente do combate à covid-19. E lembram que a ministra da Saúde é da carreira da administração hospitalar.
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Contactado pelo DN, o gabinete da ministra Marta Temido sublinha que se trata "de um reconhecimento de competências e que não tem implicação salarial".
"O que sabemos é que os administradores hospitalares foram promovidos e uma promoção corresponde a um aumento salarial. Na função pública, para haver promoção tem de haver um concurso. Estamos chocados com o favorecimento dos administradores hospitalares comparando com o que se passa com os médicos que estão na linha da frente no combate à covid-19 e os de saúde pública", protesta João Proença, presidente da Federação Nacional dos Médicos.
Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), explica que "o despacho decorre de uma decisão da comissão de avaliação que foi constituída no ano passado e analisou o currículo destes profissionais. Fez uma avaliação que não era feita desde 2003, quando deveria fazer-se todos os anos". Sublinha que não envolve quem está nas conselhos de administração, cargos políticos e que dependem da nomeação do Governo.
O despacho promove 83 administradores hospitalares, todos os que têm contrato na função pública.
O dirigente da APAH confirma que a medida não tem impacto salarial. Mas estes administradores podem candidatar-se às vagas nos hospitais, o que será feito por concurso e, ai sim, haverá compensação remuneratória. Sublinha que desde 2014 que não abrem vagas para estes profissionais.
João Proença contrapõe que os médicos de saúde pública esperam desde 1995 pelo pagamento da dedicação de exclusividade, o que nunca aconteceu. "A lei foi publicada, mas não fizeram uma portaria para a sua aplicação e o processo arrasta-se há 25 anos. Os sucessivos governos nunca quiseram dar cumprimento à lei, e, agora, apresentámos queixa no Tribunal Administrativo de Lisboa."
Aquele médico questiona ainda o motivo de as promoções terem carácter retroativo, uma delas a 1995. "Se não há uma alteração remuneratória, porque é que são os retroativos? Estamos chocados com o favorecimento dos administradores hospitalares e há este procedimento para com os médicos de saúde pública."
"As pessoas que estão no grau inicial e que corresponde ao 4.º grau devem passar automaticamente ao fim de cinco anos para o 3.º, algumas foram para tribunal e esse grau foi-lhe reconhecido. Do 3.º para o 2.º têm de estar cinco anos à espera e só sobem depois de uma avaliação, sendo necessária nova avaliação para passarem para o 1.º grau. É a única carreira da administração pública sujeita a avaliação", diz Alexandre Lourenço.
Roque da Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos, critica o procedimento diferenciado para com outros profissionais de saúde. "O Ministério da Saúde recusa-se a discutir a nossa proposta para uma nova grelha salarial, e esse facto tem contribuído para que não haja substituição dos médicos que vão saindo do Serviço Nacional de Saúde. Há três anos que estamos a pedir que se inicie a discussão, os médicos perderam 23% do poder de compra nos últimos 15 anos. Ao mesmo tempo, a iniciativa privada, muito agressiva, contrata médicos dando-lhes melhores condições", diz, para concluir: "O Governo não trata da situação dos médicos, dos enfermeiros, dos auxiliares de ação médica, mas trata dos administradores. É uma prioridade."
O despacho também causou surpresa junto dos enfermeiros. Ao DN, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses disse que vai analisar o que implica esta promoção dos administradores hospitalares.
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